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A ideia parecia simples e o resultado prometia eficácia. Para combater o excesso de população e a pobreza que a afetava, os comunistas chineses pensaram ter descoberto a fórmula mágica ao impor a todos os casais uma limitação de natalidade. Um filho por família e nem mais um bebé. Estávamos em 1979 e esperava--se que nos anos seguintes a política teria os resultados esperados. Juntamente com o lançamento de medidas para aproximar o mais populoso país do Mundo a uma economia de mercado, o controlo de natalidade levou a China ao colosso mundial que é hoje. Mas, mais de três décadas depois, é tempo de pagar a fatura.
A China da pujança económica que move o Mundo enfrenta agora o envelhecimento drástico da população decorrente de políticas cegas de controlo da natalidade. Dos 6.2 nascimentos por mulher contabilizados em 1965, o país regista agora uma taxa de 1.7. Um valor muito abaixo do rácio de fertilidade de 2.1 bebés por mulher que os indicadores internacionais aconselham aos países que pretendem manter a sua população equilibrada. Sem aberrações demográficas. Passados mais de trinta anos do início desta política, as consequências para o gigante asiático são ainda imprevisíveis. E, consequentemente, são também uma incógnita para todos nós que, direta ou indiretamente, dependemos cada vez mais da China.
Em Portugal não é por ação das políticas de inspiração chinesa que os índices de natalidade estão perigosamente em queda e será até abusivo atribuir apenas à tão badalada crise a responsabilidade pelo nosso envelhecimento.
O Inquérito à Fertilidade realizado em conjunto pelo INE e pela Pordata - e conhecido na semana passada - revelou-nos que, em matéria de natalidade, estamos rigorosamente equiparados aos chineses. Noutros indicadores poderia ser uma boa notícia. Porém, não é. Analisados os dados dos inquiridos admite-se que o país venha a estabilizar nos 1.7 nascimentos por mulher e, assim, longe do valor de referência de 2.1 (o mesmo que, por exemplo, a França regista). Como o JN referiu, os inquiridos até admitem que 2.3 seria o número de filhos desejável. Não há, contudo, quem ignore a conjuntura atual.
A debilidade financeira das famílias é, sem dúvida alguma, um fator inibidor para a procriação. São, no entanto, as políticas atuais - todas elas - as potenciadoras deste anunciado descalabro populacional que, mais tarde ou mais cedo, vai ter consequências. Parte da população em idade fértil está a emigrar e os imigrantes (que garantiam 10% dos nascimentos em Portugal) estão a perder os empregos e a procurar novos países de acolhimento. É de antever que, a manter-se esta mais do que previsível tendência, as coisas venham a piorar.
Segundo um exaustivo trabalho da revista "Time" desta semana, 88,7% dos idosos chineses com necessidades de assistência diária recebem-na da família. No dia em que uma parte, por mínima que seja (o que na China significa milhões de pessoas), deste valor passar para a responsabilidade social do Estado, pode imaginar-se o que vai acontecer. Por cá não vai ser muito diferente. Analisando o caso chinês, não é difícil imaginar o que nos vai acontecer daqui a três décadas. Ou menos. Seria muito otimista acreditar que o Estado social à imagem do que ainda conhecemos fosse resistir tanto tempo.