O verbo é importante. Quase tanto como o sujeito: portugueses "pediram" 20 milhões de euros por dia em crédito ao consumo é o mesmo que bancos "emprestaram" 20 milhões por dia aos portugueses em crédito ao consumo.
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Passivo ou ativo, os sujeitos não vivem um sem o outro. Porque o endividamento galopante é como um vício terreno: há quem sucumba ao desejo porque há quem sacie a vontade. Perante isto, arregalamos os olhos de espanto, mas somos logo impelidos a fechá-los quando percebemos os esquálidos índices da poupança do país, os mais baixos de sempre. Banca e cidadãos caminham de mãos dadas em direção a uma tempestade perfeita. Outra vez.
Os números são estratosféricos. Cada família endividada que pede ajuda carrega vários empréstimos às costas. E, todos os dias, há quase dois mil agregados a falhar o pagamento desses créditos. Tremenda imprudência nuns casos, óbvio desespero noutros.
Há um ano, o Banco de Portugal apertou a malha, pedindo às instituições financeiras para se conterem na concessão de crédito. Mas a cenoura suculenta não parou de hipnotizar os mais incautos, a reboque de taxas de juro que quase não se veem. A medida profilática foi tão eficaz como a arte arriscada de segurar o vento com as mãos. A tal ponto que o facto de haver tantas famílias que já não são capazes de pagar créditos recentes nos indicia que a avaliação bancária foi, no mínimo, leviana.
Mas, honestamente, estavam à espera do quê? As campanhas comerciais da Banca são ferozes, o dinheiro está barato e o clima económico favorável convida aos gastos, não à poupança. De resto, não há, no discurso político, referências à importância de amealharmos recursos em tempos de vacas gordas. Para nos prevenirmos, individual e coletivamente, para os efeitos de uma possível crise. Não é sexy pedir ao eleitorado para não gastar dinheiro. Mas era bom que perdêssemos esse complexo. Ter mais poder aquisitivo soa bastante melhor aos ouvidos de todos nós, mas depois não nos queixemos quando, à mesa farta deste festim, as artérias começarem a entupir. Vamos mesmo comer até rebentar? Outra vez?
Diretor-adjunto