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O fervor dos primórdios da Internet incutiu no público uma ideia que ainda hoje subsiste no subconsciente da generalidade das pessoas. Embora seja um pensamento menos comum, ainda se acredita que, se algo está na Internet, é necessariamente gratuito. O setor dos média adorou esta ideia com o intuito de chegar a uma audiência cada vez maior. E se inicialmente ninguém se apercebeu do perigo a longo prazo, hoje prova-se o erro de distribuir gratuitamente conteúdos caros e trabalhosos de produzir. Essa decisão de há décadas minou uma área fundamental da sociedade que tem de existir com desafogo financeiro, porque é mais do que um bem, é uma componente essencial à vida democrática.
Nessa altura, mais leitores, mesmo sem qualquer pagamento, eram sinónimo de mais audiência, mais força da marca, mais olhos para ver a publicidade. Mas, quando nos apercebemos, a publicidade online já só era uma galinha dos ovos de ouro para grandes multinacionais como a Meta, do Facebook, e a Alphabet, do Google. Mais uma vez, só tardiamente conseguimos ter uma visão macro do problema e agora já é tarde para mudar um ecossistema, em que aqueles que lucram com o grosso da publicidade não são quem produz os conteúdos.
Por estes dias, vivemos mais um momento em que é preciso pensar para lá do fascínio de uma tecnologia com um potencial gigantesco: a inteligência artificial. Somos constantemente bombardeados com informações de mais um feito incrível, sem pensar nas verdadeiras implicações do que estamos a ver. Mais uma vez, os conteúdos da comunicação social estão a ser usados, sem qualquer compensação, para treinar e alimentar sistemas de inteligência artificial. Esses dados darão origem a novos textos, imagens, áudios e vídeos, que só existirão porque o conteúdo inicial foi criado por um ser humano, que tem de ser pago, tal como estão a ser pagos os líderes destas empresas pelo negócio milionário da inteligência artificial.
O “The New York Times” parece já ter acordado para este problema e processou a OpenAI, do ChatGPT, e a Microsoft, do Bing Chat, por utilização abusiva de conteúdos protegidos por direitos de autor e que serão utilizados para criar produtos passíveis de substituir o jornal. Se tenho um desejo para 2024 é que este seja o início de um movimento de ajuda aos meios de comunicação mais pequenos e sem a força do “NYTimes” para lutar contra os gigantes multimilionários, que mais uma vez não vão querer partilhar o dinheiro devido a quem trabalha nesta área e os ajuda a desenvolver os seus produtos. Acordemos agora, para não repetirmos os erros do passado.