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A pobreza está a diminuir (mas ainda afeta dois milhões de pessoas), a economia floresce (em grande medida à custa de salários miseráveis), o turismo continua a alimentar a máquina do PIB (mas os preços cobrados nos restaurantes, cafés e alojamentos subiram em flecha), a habitação é um monstro desenfreado cuja voracidade ninguém controla. Parecemos ricos na vida que levamos, mas somos desesperadamente remediados na vida que efetivamente vivemos. É nesta esquizofrenia que se jogarão os dados nos próximos anos. Sem um real ajuste do poder de compra das classes que fazem mover o barco, corremos o risco de agravar a pobreza estrutural, diminuir drasticamente as oportunidades no acesso à educação e ao emprego qualificado, e, por arrasto, facilitar a debandada dos que encontrarão fora de portas razões de sobra para fugir. É um Portugal cada vez mais avesso aos portugueses aquele que se vai desenhando no mapa demográfico, social e económico, um país em que as desigualdades se aprofundam, num contexto europeu de enorme competitividade, sobretudo industrial. Quando a guerra a Leste amainar, podemos estar certos de que o nosso atraso ficará ainda mais a descoberto. Basta ver como países como a Polónia estão já a rivalizar com a China no fornecimento de matérias-primas e os estragos operados no nosso tecido industrial. As receitas económicas vão sendo revisitadas, mas arrisco uma fórmula potencialmente certeira: dar às empresas e ao setor do conhecimento a dianteira no processo de transformação e emagrecer o peso do Estado nas nossas vidas. Se não for assim, continuaremos a ir e a vir a caminho de nenhures.