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A personagem principal destas linhas não foi um tipo qualquer e está longe de se esticar ao comprido num simples traço contínuo. Walter Arnold, com fleuma britânica, marcou o seu trajecto para a posterioridade a 28 de Janeiro de 1896. No próximo domingo, sopram-se 122 velas de motor desde que a primeira multa por excesso de velocidade deu à luz, bem longe desta última velocidade. Arnold era um inconformado. Insatisfeito com o facto do seu país ter sido o primeiro a aplicar um limite de velocidade nas estradas, assomou em coragem pelos vertiginosos 13 km/h, bem acima dos 6 km/h do limite legalmente estabelecido. 31 anos depois, a lei de 1865 via finalmente a sua aplicação prática pelas pernas do polícia que o perseguiu, furioso e suado, aparelhado numa bicicleta. Era uma questão de tempo e o facto consumou-se: encontrado estava o primeiro condutor multado por excesso de velocidade. E assim que a lei mudou, admitindo a condução até aos excessivos 22 km/h, o recém-delinquente participava como um herói na tradicional corrida entre Londres e Brighton, exibição automóvel que ainda hoje existe. Nos dias de hoje, Arnold correria sérios riscos de ser perseguido por drones e helicópteros nas estradas portuguesas.
O número de mortos e de feridos graves nas estradas portuguesas não pára de aumentar. As estatísticas da sinistralidade são sinistras e o Governo, pelas palavras do secretário de Estado da Protecção Civil não vai em cuidados paliativos, ponderando a utilização de drones e helicópteros da Protecção Civil no mapeamento dos infractores, acreditando que a inibição do sinal do telemóvel ao volante e a multiplicação de radares podem contribuir para o melhor cumprimento do Plano Nacional de Segurança Rodoviária. Para um país que vive permanentemente em época de incêndios e fogo posto com a sua taxa de natalidade a encolher a população há quase uma década, tudo o que vem à rede é multa. É assustador que mais de metade das mortes nas nossas estradas aconteçam em localidades, sendo inaceitável que no ano transacto se tenham verificado mais de 400 atropelamentos com fuga do condutor. Mas a hipotética diminuição do limite de velocidade nas zonas urbanas de 50 km/h para 30 km/h não deixa de ser um pobre sinal de uma população de condutores que assim poderá bater mais devagar para continuar a fugir a toda a velocidade.
Apenas um terço das estradas alemãs apresenta limites de velocidade e não consta que o código da estrada alemão verse sobre regras de bom senso e reflexos. Uma condução vagarosa e monótona é um convite à desatenção e propicia acidentes, diz-se. Um convite à desobediência. No século XXI e a passo de caracol, dirão que é só conversa e até essa é distractiva. Por este andar, nem Walter Arnold poderia fazer agora a corrida entre Londres e Brighton sem correr sérios riscos de ser apanhado por uma bicicleta.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
*MÚSICO E JURISTA