A inevitabilidade de uma crise, mais ou menos intensa, nesta legislatura, era previsível para muita gente.
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Afinal, a economia tem ciclos e não tem de haver uma recessão para se instalar um ambiente pessimista, basta uma acentuada queda no crescimento económico e uma subida do desemprego. Se isso já era percetível antes da chegada do Covid-19, agora que ele anda a dar a volta ao Mundo e já chegou a Portugal, até os mais otimistas começam a sentir-se derrotados. A imprevisibilidade política ajuda à festa. O fim de ciclo de que fala Marcelo existe e a grande preocupação do PS é não ter de assumir a responsabilidade.
Cinco meses depois de ter ganho as eleições, os socialistas percebem que, afinal, não será possível governarem como se tivessem chegado à maioria absoluta. O problema é que a arrogância com que lidaram com o Bloco de Esquerda fechou muitos caminhos por onde era possível fazer marcha-atrás. PCP e BE têm muito calo político. Quando o ministro de Estado, Siza Vieira, lhes vem apelar ao coração para uma reflexão conjunta "sobre a forma de criar condições de trabalho nesta nova legislatura", porque a isso "obriga o comportamento do PSD", comunistas e bloquistas ainda ouvem o ministro de Estado, Santos Silva, em outubro, a chamar-lhes traidores pelas "coligações negativas" que, entretanto, foram sendo feitas com os sociais-democratas.
O problema é que o PSD de Passos Coelho, que governou com a troika que o Bloco Central chamou, foi cimento de grande qualidade para juntar todas as esquerdas, mas o PSD de Rui Rio, que até se junta ao PCP e ao BE para aprovar legislação, já não servirá para unir a geringonça que o PS desmantelou. Comunistas e bloquistas sabem bem qual é o seu espaço natural, mas atribuem a António Costa o mesmo defeito que António Costa lhes atribui. A hesitação estratégica de todos eles está a matar a geringonça.
Há uma tensão política latente há alguns meses, que o folclore de Ventura e Joacine ajudou a disfarçar, mas que as dificuldades da governação tornaram evidente e fazem com que o PS tenha reparado de repente que o PSD está vivo. É isso que leva António Costa a dispensar os salamaleques com que tratava Rui Rio quando os dois eram autarcas, e até alguma cerimónia com que lidava com ele na anterior legislatura, para o acusar agora de sempre ter tido "uma política paroquial" enquanto foi presidente da Câmara, acrescentando que "não tem pensamento nenhum sobre temas de fundo da sociedade portuguesa". Só falta dizer que o PSD não o deixa governar. Quando a crise se instalar, a culpa é de Rui Rio!
*Jornalista