Corpo do artigo
Cavaco Silva falou, finalmente, esta semana. Mas disse o óbvio: que a ausência de maioria absoluta é normal, que a situação política não é inédita nem em Portugal nem na Europa e deu como exemplo a sua própria experiência de primeiro-ministro minoritário. Não é bem a mesma coisa, pois Cavaco esteve em minoria e passou depois à maioria absoluta e Sócrates vem no caminho inverso, proporcionando às oposições um acertar de contas que na Assembleia da República se tem traduzido numa certa fúria legislativa e em acordos inesperados e impensáveis entre as diversas oposições.
Mas é tudo normal, claro. Tão normal que ninguém ouviu ainda o primeiro-ministro clamar qualquer coisa do tipo "Deixem-me governar!", ou "Deixem-me trabalhar!". Se não o fez, é porque, La Palice não diria melhor, ainda consegue governar.
Vem aí o debate do Orçamento, assim uma espécie de teste do algodão. Verdadeiramente esse debate não engana. Ou o Orçamento passa ou não passa. Se passar, está aberto o caminho a uma governação mais tranquila e possivelmente até a alguns acordos com o partido - ou os partidos - que por acção (votando a favor) ou por omissão (abstendo-se) viabilizarem o documento. Se o Orçamento esbarrar na oposição dos partidos, então é que não há mais nada a fazer e nada mais resta do que aparelhar as máquinas partidárias para nova consulta eleitoral. Uma tragédia - diz quem sabe fazer contas, não apenas pelo que se vai gastar mas pela inacção do país durante largos meses, ainda por cima sem a certeza de alguma coisa mudar.
Para o debate do Orçamento, Sócrates leva uma fraqueza: chegada a hora da verdade, de pôr as contas em cima da mesa, o Governo começa a dar sinais de que está preocupado com as Finanças Públicas. Teixeira dos Santos admite que errou na previsão da evolução da Economia, algo que - é essa a fraqueza - Ferreira Leite já lhe tinha dito . Além disso, são agora públicos os sinais de que o Estado tem de gastar menos sob pena de ficar numa situação tão difícil como a da Grécia ou da Irlanda. O que falta saber é se o PSD aposta já na derrota do Governo ou se Manuela Ferreira Leite terá a grandeza de aceitar ter como um dos seus últimos gestos na liderança do partido a viabilização do Governo do seu rival José Sócrates. Já falta pouco para sabermos…
P. S. : Não sei se lembram todos do que se disse e se escreveu sobre o Apito Dourado e das condenações generalizadas que se fizeram, nomeadamente de Pinto da Costa, agora definitivamente ilibado. Há algumas figuras públicas e muito público anónimo a poder retirar daqui uma lição. Oxalá, ela aproveite ainda a alguns agentes da Justiça, que também falaram demais. É que, não nos esqueçamos nunca, são os tribunais que julgam.