1 "Vêm aí os russos, vêm aí os russos!" é um filme fracote dos anos sessenta do século passado que descreve as aventuras e desventuras da tripulação de um submarino soviético que, por incompetência do seu comandante, encalha na costa dos Estados Unidos. Os marinheiros que partem em busca de um barco que permita rebocar o submarino só querem sair dali para fora. Mas corre tudo tão mal que os EUA e a URSS ficam à beira da Terceira Guerra Mundial.
Corpo do artigo
Tenho-me lembrado deste filme a propósito da excitação generalizada em torno dos aviões russos que foram detetados, para empregar a terminologia oficial, em espaço aéreo sob responsabilidade portuguesa. Os nossos F-16 terão "parado" os russos; segundo outros, "intercetaram"; para outros ainda, "escoltaram". Há um aspeto, no entanto, que é sempre destacado: levámos a melhor e os aviões russos foram embora, mesmo que, como parece ter sido o caso, tenham compreendido que não eram bem-vindos por mensagem gestual, de cockpit para cockpit.
A questão não mereceria mais do que algumas linhas, não fosse o que tem por detrás. Com efeito, pela positiva, os nossos F-16 voam, os nossos pilotos sabem pilotá-los, e quando os aviões bombardeiros russos demoram a sair, fazemos troca de aviões: regressam uns à base, sem combustível, e ficam a acompanhar os russos dois outros com os depósitos cheios. É assim que as coisas deviam ser, espetaculares quanto baste, mas inofensivas.
Note-se que não fomos nós a maçar-nos com o assunto. O Comando da OTAN, que tem como incumbência vigiar o espaço aéreo europeu, assinalou o facto às nossas autoridades, envolvendo tanto o PR como o ministro da Defesa.
A OTAN, de facto, anda preocupada com a ameaça russa. Anunciou ter detetado "atividade aérea russa em larga escala na Europa", e ficamos além disso ao corrente de que em 2014, e até à data, foram já "intercetadas" mais de cem aeronaves russas, um número três vezes superior ao de 2013.
A verdade, note-se, é que a OTAN e Portugal não afirmam que as aeronaves russas estivessem a cometer um facto ilícito ou, muito menos, a violar o espaço aéreo de um dos seus membros. Estavam, isso sim (à luz do que se conhece), em espaço aéreo internacional, não dependente da jurisdição de nenhum Estado, mas em zona tida como de "segurança" de um dos membros da organização. Verdadeiramente, em alguns casos, a única ameaça causada pelos bombardeiros russos resulta de não terem mantido contacto via rádio com as autoridades civis de controlo do tráfego aéreo, não se garantindo, assim, que não houvesse risco para aeronaves civis. Mas, de certeza, esse risco era nulo ou quase nulo (considerando, por exemplo, a altura a que voavam as aeronaves), ou então o comunicado da OTAN, em tom algo alarmista, não se tinha ficado pelo "risco potencial" que detetou.
Mas, afinal, há perigo ou não há perigo real? É claro que não, e felizmente que não.
O que sucede é que, entre OTAN e Rússia, estamos entrados num clima muito parecido com o da Guerra Fria, e a solução mais do que tremida da Ucrânia não irá por certo ajudar a que se caminhe para o desanuviamento. Por isso, estas "bicadas" de parte a parte, esta invocação direta ou sub-reptícia de ameaças e riscos que pairam no espaço público e nas notas e comunicados oficiais.
Por outro lado, e já estava a estranhar a demora, cada vez mais vozes, a começar pela do muito belicoso-verbal secretário-geral da OTAN, pedem investimento militar a sério para garantir a nossa (europeia) defesa contra a ameaça russa, que teremos andado a subestimar ao longo dos anos. Ora, eu, quando me começa a cheirar demasiado a dinheiro e a canhões e a empenho muito apaixonado com a minha segurança, tendo a torcer o nariz, seguindo religiosamente o velho ditado de que, quando a esmola é muita, o pobre desconfia.
2. Na última semana, escrevi sobre Angola. Não devia tê-lo feito. Ou, melhor, só o deveria ter feito se fosse para malhar. Nas redes sociais, houve quem declarasse, sem corar, que o regime angolano é até mais perigoso, bem vistas as coisas, do que o da Coreia do Norte. E não faltou sequer um indigente a insinuar (primeiro) e a afirmar (logo a seguir) que o que eu escrevera resultava da mudança da composição acionista dos proprietários deste jornal. Sou um vendido, portanto. Serei. Mas o que esmagadoramente se confirmou é que uma parte da sociedade portuguesa teve, tem e vai continuar a ter um "problema" com Angola, muito mais até do que com o seu "regime". É pena.