Sabem a diferença entre os judeus e os árabes? Ambos são capazes de vender a mãe, mas os árabes não a entregam, para a poderem vender outra vez. Sei os riscos que corro ao reproduzir esta anedota, mas não resisti, pois ela ilustra na perfeição a estratégia que o Governo está a executar com maestria na privatização dos Correios, um bem desenhado remake do lucrativo modelo seguido na venda da EDP.
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O Tesouro vai encaixar uns 500 milhões de euros, continua a mandar na empresa e ainda fica com uma posição acionista (30% diretos, a que se juntarão os 10% da Parpública) que lhe permitirá voltar a vender os Correios, negociando o controlo a quem der mais, sejam os grupos Rangel ou Urbanos, ou um estrangeiro com bolsos fundos.
A beleza da operação está na sua simplicidade, pelo que todos nós, contribuintes, devemos tirar o chapéu à equipa das Finanças - no sentido figurado, obviamente, pois só um punhado de extravagantes ainda usa esse acessório anacrónico.
O estrondoso sucesso das recentes privatizações da Bpost e da Royal Mail, cujas ações estão a ser negociadas 10,3% (correios belgas) e 66,7% (britânicos) acima do preço inicial, demonstra que, ao contrário do que pareceria à primeira vista, os correios não são uma coisa anacrónica, como o uso de chapéu, mas sim um negócio apetitoso e na moda.
Sei que sou anacrónico quando, na comunicação escrita à distância, teimo em complementar a instantaneidade de SMS e mails com o correio tradicional, que pelo tempo que demora a chegar exige uma mensagem diferente e duradoura. O meio continua a ser mensagem.
Os analistas garantem que dentro de dez anos o correio tradicional acabou. Eu tendo a concordar. Na semana passada, na estação da Poste italiana do Stazione Centrale de Milão, após meia hora à espera pela minha vez para comprar selos, a menina do balcão explicou-me, com um ar cândido, que não tinha stampi - estavam esgotados. Como agravante, não estava a gozar comigo. Era mesmo verdade.
O correio tradicional pode ter os dias contados, mas alguém vai ter de nos entregar em casa as coisas que encomendamos online na Amazon. Ou seja, para além dos serviços financeiros (que atire a primeira pedra quem nunca comprou Certificados de Aforro num balcão dos CTT), potenciados por uma invejável rede de 625 estações e 1893 postos, os Correios podem garantir o futuro aumentando a quota de mercado nos competitivos negócios das encomendas e correio expresso, que não acabarão tão cedo.
Por tudo o que acabo de escrever, não posso deixar de elogiar a ministra Maria Luís e a sua rapaziada por terem conseguido ser tão espertalhaços como o árabe da anedota (se preferirem, podem trocar os papéis e pôr os judeus como os finórios ) na privatização dos Correios.
E já agora fica aí o desafio de aproveitarem o balanço e mudarem para um nível superior, despachando rapidamente a RTP e a TAP com idêntica competência e desenvoltura.