Desafio: quem não andar confuso com a política portuguesa que levante o dedo. Confissão: eu ando. Razão: é difícil perceber quem verdadeiramente governa hoje o nosso país. É a equipa liderada por José Sócrates? Ou é o renovado PSD de Passos Coelho? São os dois em conjunto?
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A dúvida também há-de colocar-se ao presidente da República. Por um prosaico motivo: ele, como nós, ouve um dia o primeiro-ministro dizer que quer isto. No dia seguinte, o PSD diz que só aceita isto caso o Governo some aquilo. O Governo aceita. Isto e aquilo, na opinião de Cavaco Silva, só são necessários porque ninguém ligou às verdades que ele escreveu no site da Presidência.
Mais confusão: as sondagens mostram com evidência o caminho ascendente do PSD, destruindo pelo caminho e com estrondoso fragor a estratégia que Pacheco Pereira vendeu a Ferreira Leite, quando esta liderava o partido. E não é que Miguel Relvas, secretário-geral do partido, vem justamente nesta altura lançar a escada ao CDS-PP, garantindo a Portas que, seja qual for o resultado das próximas legislativas, está um naco de poder reservado para os centristas?
É nesta altura que se impõe um suspiro por um Governo de maioria absoluta - seria tudo bem mais claro. Supondo - e há, cada vez mais, fundadas razões para isso - que o Governo de José Sócrates cai (por isso ou empurrado), vamos pedir contas a quem? A Sócrates? Ele dirá que o PSD e o resto da Oposição impediram o país de seguir o caminho do sucesso, que ele tem muito bem delineado na sua cabeça. A Passos Coelho? Ele dirá que não lhe competia a governar o país, apesar de ter condicionado o trilho dos socialistas. A Cavaco Silva? Ele jurará que nunca abdicou da "cooperação estratégica" com o Executivo.
Como se vê, a saída, qualquer que ele seja, é basicamente má. E é aqui que cabe a aparente contradição de Relvas. O PSD sabe que a subida apontada pelos estudos de opinião não chega para alcançar uma maioria absoluta. Logo, como não quer provar do veneno que Sócrates está obrigado a ingerir por governar em minoria, pisca o olho ao PP. A estratégia faz todo o sentido, desde logo porque ter Portas como aliado significa limitar-lhe o (escasso) espaço de crescimento à direita. A velha estratégia da tenaz está, por isso, escondida nas palavras do secretário-geral do PSD. Miguel Relvas sabe do que fala. Portas sabe o que ele quer dizer. Resta saber se o eleitorado estará na disposição de sufragar um putativo entendimento que é de circunstância e não, como deveria ser, de concordância.