Algumas coisas ainda são o que sempre foram. O que nos dá uma sensação de enorme alívio. O Verão de S. Martinho aí está, graças ao nosso amigo anticiclone dos Açores, as castanhas ainda são quentes e boas e desta vez é o Marvão que quer entrar para o Guinness com a realização do maior magusto do Mundo.
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Faz-nos falta este sentimento de rotina, de afazeres e épocas do ano que relacionamos com coisas boas e sol, sobretudo quando já estamos longe do verão e Portugal se parece, como dizia alguém, com "um desenho desanimado".
O que está a acontecer a este país cansa o coração. São sobressaltos e mais sobressaltos na banda radioelétrica e na vida das pessoas a que se juntam espaços de suspense verdadeiramente insuportáveis.
É o caso destes últimos dias. Irá ou não acontecer alguma coisa de positivo no Parlamento? Depois de aprovado o Orçamento do Estado o que será enviado para o Tribunal Constitucional (TC)? E depois de enviado o que decidirá o tribunal? Que solução terá o Governo e com que fígados nos castigarão os mercados?
Nem valia a pena fazer tanto ruído sobre o relatório do FMI a propósito das 8.ª e 9.ª avaliações. Onde está afinal a novidade dos riscos apontados?
Não tínhamos dúvidas sobre a recuperação da economia europeia, nem sobre o impacto da desalavancagem dos bancos e do estado no crescimento? Nem sobre os efeitos de uma alteração na política monetária americana? Nem sobre a falta de consenso entre os maiores partidos em Portugal? Nem sobre a possibilidade de chumbo de algumas medidas pelo TC? Nem sobre a menor qualidade das medidas suplentes (o plano B que não havia mas que afinal já há?)? Nem sobre o passo lento das reformas estruturais?
O diagnóstico está mais do que feito. O que angustia é não ver quem pode, interna e externamente, fazer alguma coisa para que os riscos diminuam. Internamente pondo o país em primeiro lugar e assumindo uma estratégia de médio e longo prazo e externamente lutando sempre, uma e outra vez, também em conjunto pela demonstração da ineficácia das políticas seguidas e pela urgência de uma Europa mais capaz.
É um erro a obsessão com junho de 2014 sobretudo quando sabemos de cor as dificuldades. Precisamos de arriscar a pensar a 10 ou 20 anos. Se não o fizermos a saída a todo o custo do programa de ajustamento será apenas um penso rápido que cairá ao primeiro arranhão.
Percebe-se bem como estamos perdidos na circunstância, no curto prazo, até na minudência, quando ouvimos ou lemos o Professor Adriano Moreira, por exemplo na entrevista que concedeu esta semana ao "Diário de Notícias".
Falou-nos de encontrar um conceito estratégico para Portugal, da língua e do mar (na sua extensíssima versão da plataforma continental) da comunidade dos afetos que rompemos todos os dias e que é responsável pela verdadeira erosão do sentido de unidade nacional.
Falou-nos das frentes externas de que temos de cuidar sob pena de nos apagarmos, de como Fernando Henrique Cardoso publicou um livro sobre as elites que construíram o Brasil sem mencionar os portugueses ou de Lula da Silva, que visitou oficialmente os países africanos da CPLP como se a história com Portugal não contasse.
Falou-nos de uma rede diplomática que compara à do Vaticano ("e essa tem a proteção do Espírito Santo") mas que a maioria das vezes "inventa o que fazer" à falta de orientação estratégica.
Falou-nos do perigo da manipulação das gerações que, "por milagre", ora acordam mais velhas ou mais novas conforme lhes adiam a reforma ou lhes antecipam o fim da carreira profissional.
Falou-nos do alto dos seus 90 anos riquíssimos de conhecimento, experiência, lucidez e espantosamente disponíveis para quem quiser ouvir, aprender e agir.
Talvez o Professor Adriano Moreira nos pudesse ajudar ainda (pelo menos a quem quer ouvir e aprender já que não tem poder para agir) a pensar num modelo que preparasse estrategas qualificados para pensar à distância de uma geração, num contexto de fortíssima volatilidade, onde os recursos disponíveis têm de ser forçosamente inventariados de forma diferente e muito para além da forma visível da produção e do mercado.
Ou talvez quem tem poder para agir pare para ouvir e aprender.