<p>Por onde quer que passe, Manuela Ferreira Leite vem declarando a sua oposição ao projecto de alta velocidade ferroviária, o TGV. Argumenta que, não havendo recursos no país, não deve haver luxos. Comete dois erros. Um de análise, pois o TGV não é um luxo, é um lixo. O segundo, de omissão, pois não chega falar, é preciso agir. Se fala verdade e é contra o projecto, a líder do PSD deve ser consequente, utilizando os meios ao seu alcance para evitar a construção do investimento menos rentável e mais inútil de sempre da história de Portugal. E o instrumento democrático mais convincente e acessível é o referendo popular.</p>
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Para o promover, a presidente do PSD dispõe de todas as condições. Tem legitimidade institucional, através da vontade expressa do seu grupo parlamentar. Além de que, no plano político, o PSD teria aqui uma janela de oportunidade única, a perspectiva de uma vitória retumbante. A fazer fé em todos os estudos de opinião, os portugueses estão hoje maioritariamente fartos de megaprojectos. Com esta iniciativa, o PSD surgiria assim como intérprete da vontade popular.
Finalmente, no plano dos princípios, um referendo sobre o TGV - mas também sobre todos os grandes investimentos públicos - é um imperativo democrático. Projectos com efeitos orçamentais em três gerações não devem ser decididos por políticos clarividentes (?!) ou sequer por técnicos consagrados. Decisões cujas consequências se farão sentir por tempos que muito excedem o duma legislatura devem assentar na vontade esclarecida de todo um povo. E não na de um governo a prazo, assessorado por técnicos tendenciosos e dependentes de corporações directamente envolvidas nos negócios a que as decisões dão suporte.
Ferreira Leite tem, pois, o dever moral de avançar com o referendo. A credibilidade, que tanto proclama, obriga a uma convergência da sua acção com o seu discurso político. Em nome dessa coerência, deve lutar pelo cancelamento do projecto. E mesmo se para tal tiver de contrariar alguns dos membros da sua Comissão Política, faces visíveis do bloco central de interesses, e cujos escritórios estão intimamente ligados aos grandes negócios do Estado.
Quanto a Sócrates, mais não lhe restará do que concordar com a consulta pública e acatar a vontade popular. Este primeiro-ministro é, afinal, o mesmo secretário-geral do PS cujo lema é justamente "o povo é quem mais ordena".