Uma das ideias mais peregrinas posta a correr, recentemente, é a de que a crise se resolve com um aumento de salários. O raciocínio é simples e sedutor. É preciso estimular a procura.
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Logo, se houver quem ganhe mais, gasta mais e, como consequência, as empresas vendem mais, empregam mais e... pronto! Está o assunto da crise resolvido. Que esta ideia não tenha ocorrido a ninguém, em nenhum lado do Mundo, devia-nos fazer meditar. Tacitamente, admite-se que era possível funcionar fora da concorrência internacional. E que os custos de produção e a produtividade são irrelevantes. Na realidade, aumentos de salários, na actual conjuntura, significariam a completa perda de competitividade, a multiplicação de falências e o aumento, em espiral, do desemprego. A economia não se resume à função pública e mesmo esses aumentos pagam-se com mais impostos. Nada disto é, obviamente, ignorado por quem faz aquelas propostas. Como a ideia é atractiva e pode dar votos, a verdade pouco importa.
Perigosa é, também, a deriva contra as grandes empresas, a propósito dos mega-investimentos públicos. Já aqui disse que tenho muitas reservas em relação a alguns deles. A última objecção que me ocorreria seria, no entanto, dizer que todos os benefícios ficam nas grandes empresas. Por não ser verdade e por não ser problema. Como em muitas outras coisas, temos um registo contraditório em relação à dimensão das empresas. Neste caso, com razão. Há actividades em que o tamanho releva e há outras em que empresas de pequena ou média dimensão são capazes de bater o pé às maiores. Quando se analisa mais de perto a realidade das grandes empresas, em especial no sector das obras públicas, verifica-se que uma vasta parcela do que é contratado é adjudicado, em subempreitada, a uma multiplicidade de empresas, a maioria delas PME. Mesmo que assim não fosse, as empresas que ganhassem os concursos empregariam milhares de trabalhadores, desde operários a pessoal muito qualificado, e usariam uma panóplia de materiais e equipamentos que teriam de lhes ser fornecidos. Muito provavelmente, por PME. Como as pessoas não vivem de ar e vento, uma parte do que ganham seria consumido. Aumentando a procura. Muito provavelmente, das PME. E tal tem um efeito multiplicador, como argumenta o Governo. Atacar esses projectos por apenas beneficiarem as grandes empresas, é dar o flanco e revela ignorância sobre a forma como funciona a economia hoje, o que é tanto mais grave quanto mais "pró mercado" são alguns dos arautos desta verdade.
Pior mesmo só quando não se hesita em passar ao discurso xenófobo: os empregos criados acabariam preenchidos por estrangeiros. Qual é um dos nossos problemas? Desemprego elevado, baixas qualificações. Se os novos empregos não exigem qualificações, mas é preciso ir buscar trabalhadores ao estrangeiro, talvez o problema esteja cá dentro. Por exemplo, nas políticas sociais que não privilegiam o trabalho e precisam de ser alteradas. Isto é difícil de dizer nos tempos que correm? Quem não tem coragem, não pode nunca dizer a verdade! Por mais que o anuncie.
P.S. A RTPN mantém a posição na grelha. O Conselho Regional do Norte aprovou, por unanimidade, o apoio à regionalização tal como, antes, à autonomia da gestão do aeroporto. A Primavera parece ter chegado.