É pena não se poder fazer ao país o que se verifica frequentemente nos espaços comerciais, a que alguns denominam as "novas catedrais" da adulação do deus mercado: "Fechado para obras" "remodelação total". Infelizmente não é possível. Nem mesmo que esteja para acontecer o que muitos preconizam: o país está falido.
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O "sobressalto social" com que os portugueses foram levados a viver, nestes últimos dias, pelo discurso político, carregado de uma esquizofrenia na provável queda do Governo, de qualquer um dos lados, daqueles que estavam para cair ou daqueles que se preparavam para deitá-lo ao chão, só pode ser o sintoma gritante de um país num estado de angustiante prostração. Em democracia, nunca a queda de um governo pode criar este clima ou suscitar o caos. Então, é porque há coisas mais graves em jogo do que a queda do Governo. Em democracia, nenhum governo, por mais falacioso que seja nos seus princípios, manipulador por continuadas operações de marketing, como o acusam os seus adversários, ou errático nas suas decisões políticas e gestatórias, consegue levar o país ao charco, sem cumplicidades. Quer dizer, as responsabilidades terão de ser repartidas, embora proporcionalmente. E os cúmplices não podem estar só do lado do Governo. A visão política do país, há muito, é curta. A tese que, agora, se quer fazer como salvífica para o país - o que é preciso é "matar" (politicamente, claro) Sócrates, - é perigosa. Sócrates pode, de facto, ter ele próprio acarretado sobre si, a sua personalidade, pelos seus procedimentos, pelas trapalhadas que se lhe atribuem, esta raiva. Mas Sócrates, tal como os não menos contestados Berlusconi ou Sarkozy, quando aparece nas instâncias da Europa, é visto como o chefe de um dos governos dos Estados implicados nos tratados e no cumprimento das obrigações que deles derivam.
A verdade escondida destes dias do país não é apenas numa luta de poder entre partidos, derrubar ou mudar de governo. É o que se vai passar com a Europa e os credores da nossa dívida pública, durante estes três meses em que vamos estar "fechados para remodelação". É se mandamos nós, ou se mandam eles. O lento arrastar do debate de ontem na AR, com discursos e mais discursos, era bem o indício deste receio por todos. Tardaram tanto a puxar o cutelo sobre o Governo. A consciência dúbia entorpece os movimentos.
Que resposta irá dar o povo sofredor da crise no julgamento dos votos?