No seu discurso de tomada de posse, o senhor presidente da República falou da verdade como um bem público. À primeira vista e num país democrático normal certamente que não era necessário afirmar o óbvio. A verdade faz parte da ética política e do bom nome de qualquer cidadão. Ainda recentemente, na Alemanha, o ministro mais poderoso do governo da senhora Merkel teve de se demitir por ter pirateado partes da sua tese e acabou a sua carreira política.
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Em Portugal não. Nos dias em que o senhor presidente da República sentiu necessidade de dizer que a verdade é um bem público, assistimos ao mais triste espectáculo de mentiras, de aldrabices, de dislates de que o país tem memória. A mentira transformou-se no mal público da política portuguesa pela mão do primeiro-ministro, dos seus ministros e dos dirigentes socialistas.
O estilo já era conhecido e ficou bem visível no primeiro mandato de José Sócrates. Mais tarde, fez caminho na campanha eleitoral que levou o PS ao poder novamente. Agora, instalou-se como se fosse a normalidade, como se a mentira fosse o quotidiano do discurso e do gesto político, como se a mentira, a aldrabice, fizessem parte da normalidade da nossa vida pública e privada.
Assim, sucedem-se os equívocos e passou a valer tudo, na forma e no conteúdo. O primeiro-ministro, em segredo, preparou o PEC 4 e apresentou-o nas instituições europeias em absoluto desrespeito pelas instituições democráticas portuguesas. E, depois de o ter feito, vem ele e os seus ministros, mais os dirigentes do PS sucederem-se na mais descarada sucessão de mentiras, gestos teatrais que roçariam o desvario se não retratassem uma tragédia nacional.
O primeiro-ministro, sobre o PEC, já disse que foi preparado longamente, já assinou o documento que entregou em Bruxelas, já disse que foi uma emergência, que é um documento para negociar, que agora o 4.º é o definitivo (num ano já foram 3 definitivos e decisivos), escreveu a Barroso e a Trichet. Como já escreveu alguém, para mentir bem é preciso ter boa memória!
Pelo caminho, António Costa vem culpar o ministro das Finanças e garantir que não há congelamento das pensões mínimas no PEC; pelo seu lado, o ministro das Finanças, desautorizado pelo primeiro-ministro, não se demite e as reformas mínimas, de 240 a 300 euros, passam de congeladas no documento entregue em Bruxelas para um potencial aumento no Parlamento, atendendo à folga orçamental que saiu da cartola do primeiro-ministro no debate parlamentar.
Outro ministro vem explicar que a culpa é do PSD, claro - preocupados em desmentir o que acabaram de afirmar e assegurar o contrário do que fizeram ou disseram uns dias antes, ou mesmo no próprio dia. O ministro da Defesa vem mesmo chorar o esforço que o Governo faz, dizendo: "Seria muito triste que este esforço fosse desbaratado. Não porque nós tivéssemos sido incompetentes mas por sofreguidão do poder, por pressa de ir ao pote". Diz tudo: para o senhor ministro, o serviço do bem-comum, governar os portugueses, resume-se no "ir ao pote". Ele lá sabe, mas parece que lhe fugiu a boca para a verdade. Assim vêem o poder político.
Sem ética, sem escrúpulos, sem respeito pela verdade, o Governo esgotou-se e está incapaz de gerar a mínima confiança já não só aos mercados e às instâncias internacionais, mas a nós portugueses.
Este desfilar de falta de respeito pela verdade, de golpes e contragolpes, de gestos teatrais, tornaram-se insuportáveis de ver e de ouvir. E não se pode deixar de sentir alguma vergonha pelas figuras que andam a fazer em nosso nome pelas instituições europeias. De país capaz de fazer uma revolução dos cravos, uma transição para a democracia, sem derramamento de sangue, de aderir à Europa e ao sonho europeu com abnegação, passamos a últimos em todos os índices e comportamentos políticos.
No entanto, o pior de tudo, é que nunca nenhum governo levou Portugal a uma situação tão grave como a que hoje vivemos e nunca a falta de verdade marcou a vida política dos governantes como agora. Fomos marcados por ideologias perigosas, por utopias, por ditaduras cruéis, por sonhos impossíveis, por guerras que quase nos arruinaram, até já fomos governados por companheiros Vascos, mas por governantes com este desrespeito pela verdade nunca se tinha visto. E o desrespeito pela verdade é um desrespeito pelos portugueses.
Insensível aos mais necessitados, incapaz de encontrar caminhos de saída, paralisado nas teias que teceu, o governo de José Sócrates continuará a levar o país, dia-a-dia, para um perigoso abismo. Mais do que nunca estes últimos dias mostraram a urgência de uma ruptura política com os métodos e com as pessoas que nos governam. Oxalá sejamos breves a fazê-lo e a construir a alternativa que o país necessita.