A Casa dos Segredos, o reality show da TVI, dispõe de séria concorrência através do Governo e seus mandantes - Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI.
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Os milhões de telespectadores que seguem ao vivo e a cores a pura frivolidade de um naipe de jovens escolhidos a dedo - de entre 80 mil candidatos, muitos deles desempregados - dispõem sempre da hipótese de mudar de canal de televisão ou, então, de desfrutar de modo não nocivo do analfabetismo e do comportamento desmiolado de um grupo de meninos e meninas. Já a vida real determinada pela concorrência dá-lhes mesmo cabo da vida!
Todo o processo de combate à dívida do país é, de facto, marcado por inexplicáveis segredos. Mistérios, se preferir.
Na Casa dos Segredos dos boçais televisivos há um ritual através do qual a produção vai montando sucessivas armadilhas para fazer render as audiências do entretenimento. Mas não passa daí. Já os mandantes das decisões austeras para as nossas vidas fazem da maioria dos portugueses tolos, tantos os segredos (de polichinelo) que lhes reservam.
É fácil tipificar.
Em vez de adotar o método simplório das donas de casa em pré-falência, as quais avisam os filhotes da troca de um arrozinho de vitela por um macarrão e salsichas, o Governo e os mandantes preferem um lamentável jogo às escondidas.
De falinhas mansas, cada Orçamento do Estado, mais tarde acomodado por sucessivos retificativos, é todo um manancial de avanços e recuos, de troca de decisões nos antípodas, mas convergentes num ponto: mais cortes, mais austeridade, mais empobrecimento. E a fundamentação das perspetivas de médio e longo prazo passa - sempre, mas sempre - por projeções estapafúrdias de retoma ano após ano.
A Casa dos Segredos em que se transformou o ambiente entre eleitores, eleitos e decisores-credores - sim, há uma diferença - é um sucessivo jogo de sombras em que sobressaem as entorses.
Uma sociedade só tem futuro se for capaz de visionar uma linha de esperança no horizonte. Mesmo aos doentes em fase terminal cai bem uma palavra de conforto mas não estão dispostos a ser driblados, trocando-se-lhes a verdade total por uma parte ou mesmo a mentira.
A crise por que passa o país - e a Europa, não apenas a do Sul - não consente inexplicáveis argumentos ou, sequer, que ao povo sejam acenadas cenouras (virtuais) - como as das novas fórmulas de economês: as decisões modeladas ou... mitigadas.
É mau, muito mau, que se conclua por uma Casa da governação na qual os Segredos, mais drásticos sempre que revelados, refletem nível inferior à de tontos fechados num cenário cercado por câmaras de televisão.
Não é preciso ser doutorado em Economia ou Finanças para perceber que quando tudo estiver definitivamente esfrangalhado, de rastos, será possível projetar... crescimentozinho.