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“O problema não é saber se ainda temos o direito de viajar, o que devemos fazer é interrogarmo-nos se todos podemos viajar, todo o tempo e por todo o lado”. O conselho é de Juan Manuel Zaragoza, professor universitário de Filosofia e autor do ensaio “Componer um mundo en común” que, de certa forma, prolonga o pensamento de Bruno Latour, estudando a relação entre sociedade e natureza. E surge em modo de citação num artigo do jornal “El País”, republicado esta semana no “Courrier International” que dedica um extenso dossier ao sobreturismo que se constitui hoje como uma terrível ameaça à sustentabilidade do planeta. E à tranquilidade da população residente.
Os números impressionam. Dois exemplos: em Barcelona, a Sagrada Família acolhe anualmente cinco milhões de visitantes (neste momento os bilhetes de ingresso estão esgotados no site oficial até 19 de julho); em Santorini, onde vivem 15 mil pessoas, chegam ali todos os anos mais de três milhões de turistas. Um quinto da ilha já é artificial. O governo grego fixou um teto diário de passageiros de cruzeiro e cobra 20 euros a cada um que pisa terra firme. Mas a pressão não abranda.
Outrora um tempo de descoberta, viajar passou a ser um ritual de exaustão. Para quem vai, para quem vive nos lugares a visitar e para o planeta que acolhe esta gente em ávida circulação. O que mudou nestes anos? A ideia de que todos podemos ir a qualquer lado, graças a voos low cost e a alojamentos baratos. Pelo digital circulam destinos “imperdíveis” que tornam o turismo numa insaciável máquina predadora.
Reagindo a este sobreturismo, os autóctones têm pontualmente organizado iniciativas para manifestarem a sua revolta em relação a sítios que são seus e que se tornam asfixiantes. Em meados de junho, os catalães organizaram uma manifestação contra turistas que foram recebidos com bombas de água, bombas de fumo e autocolantes colados às montras de lojas conceituadas com um recado direto: “vão para casa”.
Como viajar sem fazer parte do problema? A resposta é complexa, mas um modo de começar a resolvê-lo é inverter a tendência atual, ou seja, pensar que serão sempre os turistas a adaptarem-se aos lugares e não o contrário. No início deste século, a Organização Mundial do Turismo já aconselhava a fazer isso através do Código Mundial de Ética do Turismo. Um dos princípios aí fixados orienta o turismo para o desenvolvimento sustentável, argumentando que as respetivas práticas devem respeitar o meio ambiente, os recursos naturais e o património cultural, assegurando a sustentabilidade para as próximas gerações. Talvez o futuro do turismo não passe por viajar mais, mas por viajar menos. E melhor.