Num artigo de opinião no jornal "Público", o presidente da RTP, Guilherme Costa (GC), veio dar um testemunho, em jeito de balanço, do trabalho que a sua Administração tem vindo a fazer, procurando contribuir também para o debate sobre o serviço público e o seu modelo de financiamento, numa altura em que a empresa se viu obrigada, pela crise orçamental que afecta o Estado, a fazer um corte de 12 milhões de euros nos seus custos.
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Naturalmente, se o Estado precisa de apertar o cinto, é inevitável que as suas empresas sejam obrigadas a curas de emagrecimento. O problema, como GC aponta, é que este "corte não está imune a riscos" e pode implicar a desvalorização da RTP, se porventura tiver repercussão nas vendas e nos proveitos. Ou seja, de um ponto de vista meramente empresarial, que é relevante para o Estado enquanto accionista único, os cortes só farão sentido se não tiverem reflexos negativos nos resultados e no endividamento da empresa.
Mas, a meu ver, e é o próprio artigo de GC que apela a isso mesmo, ao falar da necessidade de ouvir telespectadores, produtores de conteúdo, operadores televisivos e decisores políticos, a questão patrimonial deveria ser precedida de um debate sério, para avaliar se o serviço público que é assegurado pela RTP corresponde às necessidades dos consumidores em termos de conteúdo e em função das alterações tecnológicas, e se pode sobreviver a estes cortes, que irão afectar a programação e a inovação de conteúdos multimédia e condicionarão, também, alguns aspectos da reestruturação organizacional que resta fazer na empresa.
Por norma, os debates sobre a RTP têm-se esgotado em chavões, concentrando-se na avaliação do Canal 1, no seu modelo de financiamento e na programação que é acusada de não ser suficientemente distintiva relativamente aos privados. É por isso que GC refere que os cortes não se justificam pelas acusações que visam fazer da RTP o bode expiatório das dificuldades do sector, como primeiro passo para um processo de "socialização das perdas" decorrentes das dificuldades do sector privado que, se fosse concretizado, só viria agravar a crise orçamental do Estado.
De facto, se hoje se discute a privatização é porque a empresa é sustentável, tanto mais que a análise comparativa dos proveitos dos canais generalistas comprova que os fundos públicos recebidos pela RTP se limitam a compensar as circunstâncias e restrições do concessionário do serviço público, em termos de obrigações específicas e de publicidade que limitam a RTP1 a 50% do tempo permitido aos canais privados e proíbem qualquer publicidade na RTP2. No entanto, essa privatização não será necessariamente vantajosa, seja para o Estado, enquanto accionista e concedente (já que não seria expectável que o produto da privatização compensasse o aumento das indemnizações compensatórias a pagar aos novos accionistas ou a perda de qualidade do serviço público) seja para os seus concorrentes, que seriam os mais penalizados se a estação deixasse de estar sujeita às actuais restrições à publicidade, A meu ver, o desaparecimento da Imprensa escrita, o crescimento da Internet e as transformações tecnológicas justificam, mais que não seja por questões da mais elementar prudência, a existência de um serviço público de média, que pode ser de capitais públicos ou privados. Na medida em que a RTP é o veículo desse serviço público, é preciso encontrar forma de impedir a sua asfixia económica já que, como escreve GC, qualquer solução é preferível a essa consequência ou desfecho.