A vida segue dura para os milhões de portugueses que sofrem no bolso e na alma os efeitos dessa coisa eufemisticamente chamada "ajustamento". Há um lastro de pobreza, de desemprego, de destruição de parte do tecido produtivo que se colou à vida de todos - e que assim continuará durante largos anos. Também há coisas boas, é verdade. Mas, no final do dia, o balanço não pode ser de contentamento: é de desalento. Difícil, difícil é fazer com que saiamos daqui mais fortes, mais conscientes de que os erros cometidos no passado e sentidos no presente não nos hipotequem o futuro para todo o sempre.
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Como se sai deste círculo vicioso que, se determinar o fim da esperança, abrirá o caminho para o início da morte, parafraseando Charles de Gaulle? Com lideranças fortes, com gente que seja mais intendente do que política, como o general francês gostava de dizer. É isso que vemos? Não. E sim.
E porque não? Porque, nestes dias posteriores à "saída limpa", já vimos e ouvimos o suficiente para perceber o que aí vem. O que andamos a discutir? Isto: é uma heresia o Banco Central Europeu, o FMI e a Comissão Europeia fazerem uma conferência em Portugal no dia das eleições europeias; o primeiro-ministro avisa que, caso o Tribunal Constitucional volte a chumbar as escolhas do Governo, há uma nova subida de impostos preparada; Paulo Portas reapresenta a reforma do Estado sem acrescentar nada de relevante ao que já se conhecia; o líder do PSD admite coligar-se com o PS na próxima legislatura; os candidatos ao Parlamento Europeu não debatem a Europa, preferindo trocar piropos sobre a economia doméstica... E por aí fora, num rol de factos que, bailando entre o patético, o óbvio e o ridículo, mostram à saciedade como andamos enredados no acessório, quando há tanto de essencial para discutir e, sobretudo, resolver.
E porque sim? Porque, felizmente, no meio desta chusma de políticos, há quem saiba ser intendente, modo, afinal, de fazer verdadeira política.
Na página 18 da edição de ontem, o JN recordou a duríssima história de Flor, menina do Porto sujeita a um transplante de coração quando tinha 9 meses. Os pais estão desempregados e os três irmãos tiveram que ir viver com os avós. O apartamento onde o casal vivia não tinha condições para acolher Flor. Na vida da bebé, caiu uma estrela vinda do céu: Teresa Vieira, do Movimento Ajuda. Foi ela que pediu apoio, por carta, ao vereador da Câmara do Porto com o pelouro da Habitação, Manuel Pizarro. O vereador fez-se intendente num instante: arranjou um T4 com todas as condições para acolher Flor, os irmãos e os pais.
A família, junta, luta melhor pela vida. De Flor. Dos irmãos de Flor. Dos pais de Flor. Falta, ainda, mais ajuda: os gastos com a medicação e as consultas em Lisboa são altos; Flor precisa de 25 seringas diárias; os pais continuam sem emprego.
Ainda De Gaulle: "Os homens, tão enfadonhos quando se trata de manobras da ambição, são atraentes ao agirem por uma grande causa".