A máquina do F. C. Porto vai perdoar a saída de um dos mais recentes talentos? André Villas-Boas escolheu uma via algo precipitada, capaz de surpreender um clube pouco habituado a confiar tão profundamente em alguém. Sim, ele disse que ficaria mais um ano. Sim, agora é tarde para ir buscar Domingos. Sim, talvez não tivesse muito a perder se adiasse por um ano o seu voo internacional. E, claro, não há nada como manter a palavra dada.
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Mas as regras do futebol são estas. Os treinadores entram e saem em função dos resultados e interesses do clube - que está sempre acima de qualquer fidelidade, como a história mostra. Usar a mesma regra, desta vez no interesse do treinador, é algo que Pinto da Costa pareceu encaixar com fair-play, tanto mais que o valor da cláusula foi fixado pelas duas partes há um ano. Isto podia acontecer e não faz sentido que os admiradores de Villas-Boas passem agora a ser os adeptos do Benfica e do Sporting, como em alguma medida aconteceu aquando da saída de Mourinho...
Foi certamente uma decisão difícil para o ex-treinador portista, que não encaixa facilmente no estereótipo da pessoa a quem só importa o dinheiro. E a escolha não era entre o Benfica/Sporting ou o Porto. A gestão de carreira pesou certamente mais que os milhões de um salário melhor no imediato. A que máximo pode aspirar um treinador? Barcelona, Real Madrid, Manchester United seriam inacessíveis face à idade e ao currículo. Abramovich propôs-lhe voltar ao Chelsea, casa já conhecida, e onde os adeptos têm capacidade de não hostilizar a chegada de um jovem talento. Outro ponto importante: a Liga inglesa é a melhor prova para um tirocínio na alta roda europeia.
Há comboios que não param duas vezes na mesma estação. O treinador decidiu apanhar o deste ano, com medo de não ganhar a Liga dos Campeões na próxima época e perder currículo. É realista, embora fosse possível ousar mais - ele tem talento para tal. Era nisto que secretamente acreditavam todos os portistas.
Com a saída antecipada, o clube das Antas encaixa 15 milhões pelo treinador, provavelmente 30 milhões por Falcao e eventualmente 40 milhões por João Moutinho (ou outro jogador). Poderão ser 85 milhões de euros frescos a entrar de imediato num clube que tem a notável oportunidade de endireitar as contas (será que o faz?), ainda por cima sem desfazer o plantel do ponto de vista estratégico. Ou seja, Villas-Boas (tal como Mourinho) paga duplamente em vendas extra.
Independentemente das circunstâncias da saída, André torna-se num novo nome extraordinário da constelação de estrelas portuguesas no futebol internacional, a juntar-se a Mourinho e Cristiano Ronaldo. Há, no entanto, uma diferença: nasceu e cresceu na escola portista. Há todas as razões para se pensar que um dia pode voltar ao Dragão. Será certamente daqui a uns bons anos. Mas Antero Henriques e os futuros elementos da SAD têm a ganhar com alguém que sempre foi genuíno no seu portismo.
Villas-Boas - para além de ver a sua contratação como a mais alta alguma vez feita por um treinador - passa também a ganhar cinco milhões de euros por ano. Para a economia portuguesa todos os capitais são bem-vindos (se é que vêm para Portugal...). Cinco milhões/ano correspondem a muitas PME a exportar toneladas de produtos.
Há, portanto, razões para se pôr uma pedra sobre a forma da saída e ver o essencial. Ele é "made in Porto" - nasceu e cresceu numa rua da cidade e, com 33 anos, ascende à categoria de um dos treinadores mais bem pagos do Mundo. É um extraordinário detector de talentos. Vai tornar-se num interlocutor privilegiado em grandes clubes. Quantos mais êxitos somar, maior potencial se cria em redor desta indústria de alto nível que o Porto (e Portugal) representa enquanto empresas exportadoras de futebol. Simboliza também capacidade de se transmitir conhecimento entre gerações, ao mais alto nível de competência. O Porto (Portugal) como "Fábrica de Talentos Globais". Temos de conseguir fazer isto mais vezes em muitos outros sectores.