Perguntaram um dia, numa entrevista, a um conhecido jornalista e comentador de televisão, se tinha consumido drogas em jovem. O entrevistado viu de imediato a armadilha.
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Se recusasse responder, parte da audiência ficaria a pensar que sim, que se drogara em jovem; se dissesse que não, muitos concluiriam que estava a dar uma resposta conveniente e não sincera; se revelasse que sim, logo apareceria gente a repontar contra "termos de gramar aquele drogado na televisão".
Que fazer? O entrevistado optou pela defesa possível: atacar a pergunta. "Não respondo a perguntas fascistas." A bola passou para o campo dos entrevistadores, fiados na convicção generalizada - mas muito errada - de que é lícito fazer qualquer pergunta. Não é. As perguntas devem permitir ao interrogado dar uma resposta esclarecedora. Ora uma pergunta dirigida à intimidade de alguém nunca permite uma resposta esclarecedora, pelo que não pode ser feita, já que vai deixar o perguntado com um estigma e uma nuvem de desconfiança sobre si.
Eu não diria que a pergunta foi "fascista" - embora reconheça que foi intrusiva e obscurantista, características bem fascistas. Prefiro designá-la como pergunta com peçonha. O simples facto de ser formulada instila veneno, desfoca personalidades, coloca um ferrete indelével na imagem.
Os jornalistas e os juristas sabem que no perguntar vai meia resposta. Faça-se agora a equação: se na pergunta vai meia resposta e se não houver sequer resposta, o que é que fica? Apenas a insinuação. É a outra forma de instilar peçonha.
Imaginem que os jornalistas, que trabalham com rígidas horas de fecho de edição, terminassem as reportagens informando o público não terem tido tempo de formular certas perguntas ao visado na história, pelo que se limitavam a apresentá-las para conhecimento público. "Por ora", já agora… Que bela escola de jornalismo de intriga, insinuação e difamação não nasceria!
Tal escola nasceu já no nosso mundo judiciário. (Nosso, vírgula, que se fosse nosso eu rifava a minha quota, apre!) A vítima inaugural foi José Sócrates: havia 27 perguntas que lhe queriam fazer, mas como não tiveram tempo, aí seguem elas por via mediática.
A melhor saída que vejo para José Sócrates é o ataque: comunicação em directo no horário nobre, para responder às 27 "perguntas". Puxar a coisa para o seu campo, jogar em casa. E varrer a testada. É seu direito: para aprendizes de mediáticos, mediático e meio.
É o antídoto certo para as 27 gotas de peçonha que lhe enviaram.