A economia portuguesa estaria hoje ao rubro se contasse com uma mão-cheia de empresas que vendessem 20 milhões de unidades do seu principal produto, a maioria para exportação. Vale o mesmo dizer: se o exemplo da Sogrape, que hoje comemora 70 anos, pudesse ser replicado, as nossas contas não andariam seguramente tão tortas.
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A empresa que vende, por ano, 20 milhões de garrafas de Mateus Rosé podia ter-se fixado neste vinho "jovial, leve, fresco e ligeiramente doce" sem acrescentar preocupações ao negócio. Não o fez - e ainda bem, porque, nesse caso, a esta altura, seria já propriedade de um qualquer grupo internacional, ou teria simplesmente desaparecido, para grande tristeza de Fernando van Zeller Guedes, o seu fundador.
Ao invés, a Sogrape soube pegar nos lucros proporcionados pela garrafa bojuda inspirada nos cantis da I Guerra Mundial para crescer: hoje, é um dos maiores grupos empresariais portugueses, com 19 subsidiárias e produção vinícola em quatro países além de Portugal: Espanha, Argentina, Chile e Nova Zelândia. Em 2011 faturou 180 milhões de euros (30% do valor é assegurado pela Mateus). E continua a produzir o imbatível Barca Velha.
Por que razão é o Mateus Rosé imortal, ou pelo menos dono de uma longevidade pouco comum para um vinho cuja garrafa custa cerca de 3 euros? A resposta está no gosto e nos números.
O Mateus é um vinho fácil, é verdade. Mas pode ser, mesmo assim, surpreendente. Basta afastá-lo do preconceito, tão português, de que só tem valor o que é caro e estrangeiro. Eis a prova: amigos lá de casa, razoáveis conhecedores da oferta nacional, beberam-no (decantado, para despistar e impressionar) acompanhado de umas tapas compostinhas. Ouviram-se hossanas ao dito cujo. Até ao momento em que a bojuda chegou à mesa...
Acresce que o Mateus Rosé está impecavelmente dentro dos parâmetros do consumo cá dentro e continua a ser suficientemente distinto para impressionar o consumo lá fora. Cá dentro, 80%dos vinhos consumidos pelos portugueses têm um preço inferior a 2,5 euros/litro. A quota de mercado dos vinhos mais caros não vai além dos 4%. Quer dizer: o espaço para subir o preço é muito marginal, como marginal é também a capacidade de aumentar o número de consumidores de vinhos de preço mais alto.
A equação da Sogrape parece fácil. Mas não é. É, antes de tudo o mais, uma equação em que todas as variáveis têm de fazer sentido para que o resultado bata certo. E isso só acontece quando ao profundo conhecimento do mercado se junta trabalho, paixão, dedicação e juízo no negócio.
Sem valores como estes, a Sogrape não teria resistido. Foi por ausência de valores como estes que muitas empresas morreram ao primeiro embate com a crise.