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Inesperadamente, e com gritante violação do segredo de justiça, foi divulgada, publicamente, a existência de um inquérito, instaurado em fins de 2024, relativamente ao conteúdo de uma pen, apreendida no âmbito do processo Influencer. Esta investigação tem por objectivo apurar da prática de crime de violação de segredo de Estado, porquanto o conteúdo daquele ficheiro conterá dados pessoais relativos a cargos do Estado, com protecção penal ou outra. AT, PJ, SIS e SIED. Segundo as notícias, aquele processo teve um registo sigiloso e de precaução no DCIAP e a comunicação entre os seus titulares e o PGR ou era pessoal, ou através de correspondência confidencial. Impõe-se a pergunta. Como foi possível a fuga de informação, apenas cerca de 30 dias após a sua instauração? Para além da constituição de arguido, ocorrida no dia 30 deste mês, do ex-chefe de gabinete do ex-primeiro-ministro António Costa, supor-se-ia que apenas os titulares do inquérito, o director do DCIAP, o PGR e a polícia auxiliar de investigação saberiam da sua tramitação. Seria, assim, reduzido o número de intervenientes com acesso à informação. Mas não. Não obstante o cuidado tido nos registos do inquérito e o seu manuseamento reservado, há a intervenção de outros agentes na sua tramitação, funcionários do MP, judiciais, e de um juiz de instrução. A regulamentação processual das decisões do MP e do JIC para o segredo de justiça é labiríntica e não serve a protecção nem da investigação, nem dos suspeitos e arguidos. O processo é sujeito a um carrossel de decisões susceptíveis de alargar o espectro dos intervenientes. O MP decide, na fase do inquérito, da existência do segredo, mas fica sujeita à validação do JIC num prazo máximo de 72 horas. O legislador pôs termo a um dos princípios fundamentais desta fase, transmutou o segredo de justiça em publicidade! O processo penal é, hoje, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas no mesmo normativo. Impõe-se, em minha opinião, o retorno à pureza dos princípios. A fase de investigação deve estar sujeita a segredo de justiça, excepto se o MP decidir o contrário. Da leitura da notícia mais pormenorizada sobre o enredo da pen 19 resulta, para mim, certa estupefacção. Sendo o seu conteúdo relativo ao ano de 2019 e já objecto de apreciação na investigação e julgamento de Marco de Aragão, condenado por ameaças ao PR, pergunto-me que medidas de protecção e segurança tomaram, então, os serviços do Estado de funções sensíveis esventradas naquele ficheiro. É que se houve alterações no reforço do segredo e protecção das referidas entidades, o seu conteúdo já não é susceptível de criar insegurança. Será que tudo continua na mesma? Aí a responsabilidade cabe ao Estado e aos dirigentes destes serviços. É evidente que as notícias divulgadas são, nesta fase, uma mão cheia de nada e que importa aguardar a investigação e decisão do MP sobre o assunto.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia