(conclusão) Uma relação afectiva que se inicia num ambiente de violência nunca dará frutos de amor, compreensão e respeito mútuo. Se o namoro se desenvolve na crença de que o elo mais fraco, normalmente a mulher, deve obedecer às exigências e caprichos do outro, deve aceitar a violência física e/ou psicológica como demonstrações de carinho e ciúme, porque ama e assim o demonstra, nunca tal relação desaguará numa convivência serena de aceitação da personalidade do outro. Nunca se transformará numa vivência de ternura e carinho.
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Toda e qualquer forma de violência doméstica assume a natureza de atentado à dignidade do ser humano. A vítima anula-se, complexa-se, sofre a maior das vezes em silêncio e sem se aperceber do lodo em que se encontra, porque o agressor lhe retirou a auto-estima, acha-se culpada de não sabe o quê, mas, sim, culpada porque o agressor a ama e se ela é violentada é porque alguma coisa fez de mal. Tem vergonha pública e cala o sofrimento. Serão múltiplas as causas e as razões dos maus-tratos, que vão até à morte da vítima, mas parece-me que uma delas e muito relevante é a afirmação gratuita por parte do agressor do seu poderzinho, que manda e determina ao outro o que deve fazer e nunca faz bem. Este estigma social é transversal a todos os países, sejam eles mais desenvolvidos ou menos, e seja qual for a classe social a que pertencem vítima e agressor. O nosso país não falha o seu lugar nestas estatísticas negras. Em termos legais, a protecção da vítima tem vindo a expandir-se, mas haverá que investir na formação e valorização pessoal da vítima, demonstrar-lhe que a comunidade está do seu lado, insuflar-lhe a coragem para dizer basta e denunciar o crime, afirmá-lo claramente, permitir a produção da prova essencial à punição do agressor. Este é, a meu ver, um dos principais objectivos a prosseguir numa sociedade aberta, informada e formadora de personalidades humanísticas de todos, para interiorização e aceitação dos direitos fundamentais de cada um em igualdade de oportunidades. Este caminho a trilhar é obrigação do Estado, na formação, educação e cultura para a cidadania. Mas não só. As organizações privadas, da social à económica, são também intrinsecamente obrigadas à consecução daqueles objectivos de fins públicos, de crescimento e desenvolvimento civilizacional. Daí que seja profundamente censurável a emissão de "reality shows" com conteúdos de sugestão de violência física e/ou psicológica, não se demarcando a organização daqueles dos actos praticados por concorrentes. Se é uma questão de atracção de lucros, porque tudo é encenado, é censurável. Se os actos sugestivos de violência não foram ensaiados, é lamentável e censurável que não tenha havido uma posição clara de rejeição por parte da direcção do órgão televisivo. Afinal, quem repôs a dignidade do programa foram os telespectadores que expulsaram aqueles agentes.
a autora escreve segundo a antiga ortografia
EX-Diretora do DCIAP