Recentemente, uma amiga recebeu uma visita da PSP a meio de uma discussão com a filha adolescente. Surpreendida com a chegada de dois agentes tão atrapalhados como ela, ouviu deles a explicação de que as chamadas de vizinhos para situações de normal gestão familiar são cada vez mais frequentes. "Sabe como é, as pessoas estão muito sugestionadas pelo tema da violência doméstica".
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Casos como este ilustram o juízo social severo sobre a violência familiar e as conquistas que felizmente temos alcançado. Os eventuais exageros ou juízos precipitados que possamos fazer são um mal menor em relação ao silêncio com que, no passado, se abafava a violência, no tão popular dizer sobre não meter a colher entre marido e mulher, ou entre filhos e pais envelhecidos que são cada vez mais vítimas deste crime.
Não se pretende que o tribunal, regido por leis e regras processuais estritas, se deixe tolher pelas emoções ou juízos permitidos a vizinhos que ouvem gritos exaltados. Não deixa de ser, no entanto, preocupante a aparente disparidade entre o percurso feito a nível social e a nível judicial. Volta e meia, vêm a público histórias de absolvições caricatas de incidentes que aparentam ter toda a solidez de prova para conduzir a uma condenação.
Na sexta-feira, o JN fez eco de um caso em que uma mulher agarrada pelo pescoço e enfiada à força num carro não foi considerada vítima de violência conjugal. Apesar de haver antecedentes, bem como militares da GNR que testemunharam o caso e tinham já intervindo em anteriores agressões, considerou a juíza que não houve "crueldade, insensibilidade e desprezo" suficientes para enquadrar aquele crime. Haveria, sim, ofensa à integridade física, mas como não se trata de crime público e a vítima não apresentou queixa, o agressor escapou sem qualquer condenação.
Por mais legítima que possa ser a fundamentação jurídica, decisões deste teor causam incompreensão. É urgente uma maior especialização e formação dos magistrados. E é igualmente urgente uma maior abertura dos tribunais à comunidade. Para que, no mínimo, haja mecanismos para explicar e esclarecer decisões aparentemente tão obtusas.
*Diretora