Na chegada a um novo ano, a 1 de janeiro, Marcelo Rebelo de Sousa focava a sua mensagem ao país na ideia de que este seria o tempo de virar a página e entrar em novo ritmo económico, político e social. Na altura respirava-se confiança em relação à pandemia, estávamos longe de imaginar que a 24 de fevereiro a Rússia invadiria a Ucrânia, aguardava-se a chegada de verbas da tão badalada "bazuca", havia condições para acreditar que entraríamos num novo ciclo.
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A expressão foi recuperada por António Costa para celebrar a aprovação do Orçamento do Estado. Encerra-se um ciclo de crise política, lembra o primeiro-ministro, alheio ao facto de que de inúteis fantasmas de instabilidade parlamentar já o país se esqueceu. O que preocupa, isso sim, é a inflação galopante e a subida das taxas de juro. A perda de poder de compra e o risco de incumprimento no crédito. A crise internacional e o aperto de cinto que, por mais que se evite a palavra austeridade, tantas famílias sentem no seu dia a dia.
Neste contexto duro e em que faltam perspetivas de crescimento, o que vimos no Orçamento do Estado para o segundo semestre do ano foi um exercício demasiado conservador do Governo, que não correu riscos a reforçar apoios sociais e às empresas, nem cedeu às propostas da Oposição. Apesar das promessas de diálogo, foi manifesto o desinteresse pelo papel do Parlamento e acabaram aprovadas 119 propostas de alteração quase sem impacto orçamental.
Havia condições para ir mais longe, até porque as pequenas medidas extraordinárias aprovadas são quase compensadas por contributos da crise nos cofres do Estado. A inflação galopante é responsável pelo aumento de 900 milhões de euros na receita do IVA, o que equivale já a quase metade do aumento total de 1900 milhões de euros projetado para a receita anual.
O objetivo do Governo é simples. Deixa folga, este ano, para equilibrar o mais possível as contas, porque é impossível não recear o que está para vir em 2023. A repercussão da inflação será automática em pensões e prestações sociais, e há ainda que contar com os efeitos da subida das taxas de juros na dívida pública. Não é preciso ter bola de cristal para perceber que, quando se trata de finanças, nem o otimista primeiro-ministro confia num verdadeiro virar de página.
*Diretora