Subscrevo a ideia de que foi o PS quem ficou mais entalado com as declarações de Cavaco Silva sobre os cortes dos 13.º e 14.º mês aos funcionários e pensionistas do sector público. Se até o presidente se rebela contra as orientações do Orçamento, como podem os socialistas absterem-se, quanto mais votar a favor?
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A posição do PR não é surpreendente, embora se possa questionar o seu sentido de oportunidade quando a prioridade deveria ser a criação de condições para que, a propósito do Orçamento, se mantivesse o espectro de apoio partidário que havia sido reunido no acordo com a troika.
Para além do timing, estranhou-se, ainda, a visão estreita que de equidade Cavaco deu, cingindo-a ao domínio fiscal, e o aparente recuo nas suas preocupações com a dimensão do monstro como, então, apelidou o aparelho de Estado (o presidente é o mesmo mas a opinião terá mudado?).
A ambiguidade da referência à equidade fiscal ditou uma discussão centrada na dicotomia "funcionários públicos-trabalhadores do privado". A preocupação prioritária com o emprego que resulta dos inquéritos de opinião e os 700 mil desempregados serviram como contra-argumento às preocupações de Cavaco Silva: os problemas de equidade não se esgotam na fiscalidade.
Na verdade, talvez não fosse a dicotomia público-privado que estava na sua mente, mas sim a comparação com o tratamento fiscal dado a outros tipos de rendimentos e ao património e riqueza. Não se sabe. O PR é o mais experiente político em actividade. Não ignora a credibilidade que adviria de o Orçamento ser aprovado pelos três partidos que negociaram com a troika.
Mesmo acossado, e a pagar o preço da sua indecisão, talvez o PS possa ter aqui uma oportunidade de "virar o bico ao prego" se souber ler os pensamentos do PR, forjando um aliado que o ajude a introduzir alterações no Orçamento. Como? Aceitando o objectivo para o défice, será necessário compensar o aumento da despesa, decorrente de menores cortes nos vencimentos, com cortes noutras despesas ou aumentos em algumas receitas.
É, ainda, possível questionar a racionalidade de algumas medidas (em termos líquidos, o aumento do IVA na restauração compensa o eventual aumento do desemprego?) e propor, por exemplo, incentivos drásticos ao investimento e à atracção de investimento estrangeiro.
É preciso fazer contas, sem apriorismos ideológicos que não resistam ao primeiro embate com a realidade - um exemplo disto é a tentação de aumentar a tributação sobre as grandes empresas quando, em termos relativos, Portugal obtém aí receitas bem acima da média europeia (7.º lugar em 27), ao contrário do que acontece com outros impostos.
Estas serão saídas e não soluções. A resposta estrutural tem um nome: reforma da Administração Pública (AP). Insistir no lado da receita tem um defeito: torna-a menos urgente. A agenda deste Governo inclui uma redução substancial do peso do Estado. Ao contrário do que diziam, não sabiam como o fazer sem pôr em causa os alicerces do Estado Social.
Prevaleceu o bom senso: cortar nos vencimentos foi o compromisso encontrado. Uma alternativa, ainda assim, perigosa por poder decapitar a AP dos seus melhores quadros, aqueles cujos ordenados já não eram competitivos antes destes cortes e sem os quais nenhuma reforma será bem sucedida. Neste contexto, o PS tem uma oportunidade para se antecipar: afinal, não tinha já preparado várias reformas do Estado? Ao contrário do que se pensa, o essencial não passa por reduzir o número de funcionários públicos (estamos abaixo da média da UE) mas pela sua reafectação, por criar um sistema mais focado, mais eficiente e mais barato (custa mais que a média da UE).
Para não continuarem a ser os bombos da festa, os próprios funcionários públicos deveriam estar interessados em que as reformas avançassem. Os primeiros sinais dados pelas corporações, com os militares à cabeça, não vão nesse sentido. Quando assim é, o resultado final é pior do que poderia (e deveria) ser. Até os contribuintes se indignarem.