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Numa recente intervenção, Rui Moreira, com base num estudo apresentado ao Conselho Municipal de Economia, refere que, no Porto, “só” há 14 mil turistas por dia. Tendo utilizado esse número para, como refere, “desfazer o mito de que o Porto está infestado de turistas”, bem como da “ideia de que o aquecimento do mercado imobiliário se deve em grande medida ao turismo”.
Não sei de onde surgiu este número de turistas que não batem certo com os factos: em 2023 o Porto arrecadou cerca de 18 milhões de euros de taxa turística, o que, tendo em conta que a taxa diária é de dois euros, significa 24 657 turistas por dia.
Esta disparidade de números mostra que, incompreensivelmente, a Câmara tem o problema mal estudado, e que os números apresentados por Rui Moreira servem apenas para dizer que “não há turismo a mais no Porto”, numa altura em que aumenta o clamor considerando que atingimos o limite e em que os inconvenientes do turismo passam a ser superiores às vantagens.
Mas, virando-se o feitiço contra o feiticeiro, estes números servem para demonstrar o excesso de alojamento local (AL) no Porto. Temos hoje 10 305 AL registados na cidade do Porto. Pegando nos números apresentados por Rui Moreira, e partindo do pressuposto que todos os turistas dormem em AL (na verdade grande parte fá-lo em hotéis…), e que a média é de dois turistas por noite por estabelecimento (na verdade são mais), isso significava que apenas teríamos sete mil AL ocupados por noite. Ou, por outras palavras, que diariamente, teríamos 3305 alojamentos locais vazios (face aos pressupostos, na verdade este número deve ser bem superior)!
Numa cidade com tantas carências habitacionais e onde o preço da habitação está tão especulativamente elevado, tal facto só pode ser considerado um contributo para o “tal aquecimento do mercado imobiliário” que Rui Moreira procurou “desmistificar”. Ou, noutra perspetiva, numa cidade em que tantas pessoas vivem em situações habitacionais tão degradadas ou que não têm rendimentos para os adquirir ou alugar, ter tantos alojamentos vagos é, no mínimo, imoral. Como o clamaram os milhares de cidadãos que participaram no sábado, na manifestação “Casas para viver”.