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Os inimigos da democracia têm hoje mais motivação para irem às urnas do que muito do povo arreigadamente democrata. Em muitos países europeus e do Ocidente, a possibilidade de o voto ser a arma de aniquilamento da própria democracia é dramática, mas é real. As lideranças da extrema-direita estão a jogar forte na demonstração dessa possibilidade, também em Portugal.
Cresce aceleradamente o número dos deserdados pelas políticas neoliberais executadas em nome da democracia, designadamente na Europa. As injustiças e desigualdades têm-se aprofundado e atrofiam projetos de vida de muitos estratos da sociedade em várias gerações, incluindo as mais jovens. Há, assim, muito voto de protesto que pode convergir com o dos inimigos da democracia.
As governações europeias renderam-se aos encantos e benefícios imediatos do ultraliberalismo económico, num quadro em que este impõe a espiral de sucção de recursos mais forte da história. Os beneficiários daquela espiral precisam das forças ultraconservadoras e fascistas no poder e o contexto geopolítico e geoestratégico, bem como a postura dos Estados Unidos da América, estão a facilitar a conjugação de fatores que lhes abre caminho. O terreno da política está cheio de vírus que matam a democracia. Como responder a esta situação?
Quando os governos e outras instituições do poder não respondem aos justos anseios dos povos, há que afirmar o poder da rua, gerando-lhes incómodos. É isso que temos de fazer em Portugal. São importantes as manifestações contra as alterações às leis laborais avançadas pelo Governo, porque constituem um ataque a relações de trabalho que salvaguardem a dignidade e a cidadania de quem trabalha, um rombo na já frágil presença do poder sindical nos locais de trabalho, e um barrar a entrada da democracia nos espaços de trabalho.
Importância idêntica têm as manifestações dos imigrantes: sem imigração com direitos teremos piores salários e total precarização das relações laborais e não seremos Estado de direito democrático. É necessário um combate na defesa de todos os fatores de coesão de que a sociedade dispõe.
Vamos ter a "comemoração revanchista" do 25 de novembro. Como disse o presidente da Associação 25 de Abril, "Eles não querem o 25 de Abril. Eles odeiam o 25 de Abril". O conteúdo democrático da Constituição da República aprovada em 2 de abril de 1976 jamais existiria sem os objetivos e lutas, mesmo com contradições, que se desenvolveram nos dois anos anteriores.
Nas eleições autárquicas há que atacar outros vírus. O poder local foi, desde a sua criação, um fator de confiança dos portugueses na democracia. O descontentamento manifestado com políticas nacionais pode estar a penetrar no plano local. A pretensa entrega de competências ao poder local, sem correspondentes meios, é uma das causas geradoras de expectativas que não podem concretizar-se. Matemos os vírus que minam a democracia.