Maior recessão. Mais desemprego. Necessidade de imposição de novo pacote de austeridade. Reportado a uma estimativa para 2012 e 2013 e mais negro do que o projectado quer pela troika quer pelo Governo, o quadro está plasmado no Boletim Económico de Inverno do Banco de Portugal.
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Espanta, atendendo aos efeitos previsíveis das actuais políticas restritivas impostas ao país?
Não obstante a inexistência de alternativas ao memorando de entendimento assinado pelos partidos do arco da governação com a troika, os sinais de alarme têm um condão: reforçam o debate sobre o actual ciclo vicioso: aperto de cinto, retracção da economia, reaperto de cinto...
Neste soar das campainhas de alarme, o som mais estridente aponta, naturalmente, para uma preocupação generalizada: o acentuar, ou não, da austeridade. E assiste-se ao ginasticar do discurso de vários protagonistas, ou não tivesse o Banco de Portugal a sua credibilidade reforçada desde a chegada do actual governador, Carlos Costa.
Não é possível fugir a um foco: todos os holofotes centram-se em Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar. Dando-se o caso de estarem errados todos quantos julgam ser a postura e o discurso político manejados só pelo primeiro-ministro, atribuindo um perfil exclusivamente tecnocrata ao ministro das Finanças.
A verbalização da necessidade de uma outra dosagem de austeridade é paradigmática.
Estando em cima da mesa uma projecção agravada de 4,5% para 5,4% de défice em 2012, como consequência da absorção pelo Estado dos fundos de pensões da Banca (salvadores das contas de 2011), Pedro Passos Coelho, nas suas mais recentes entrevistas, uma e outra vez, não descartou o cenário de imposição de novas decisões draconianas. Terá dito o óbvio. Já Vítor Gaspar, por muitos considerado nas suas primeiras aparições públicas como mero exercitador de números e de folhas Excel é todo um caso surpreendente de domínio do discurso, gerindo as palavras uma a uma, de forma pausada.
O relatório do Banco de Portugal implicaria a consonância de Vítor Gaspar, para mais após ter sido divulgado um documento interno do Ministério das Finanças no qual se admitia a necessidade de novos cortes para se atingir os 4,5% de défice neste ano? Pareceria ser lógico o assentimento do ministro. Mas não. Na Assembleia da República, ontem, Vítor Gaspar foi desarmante. Endossou, por um lado, para o Banco de Portugal eventuais esclarecimentos sobre as projecções divulgadas (humor supremo...) e, por outro, referenciou o tal documento como mero instrumento de trabalho que "teve uma evolução própria". A que ponto? Simples, nas suas palavras: a venda de concessões de jogo e de património e a redução dos juros da dívida por via de abatimentos graças aos fundos de pensões da Banca compensarão os desvios.
Destas conclusões parece resultar a ideia de que o Banco de Portugal foi incapaz de fazer as contas--estimativas de Vítor Gaspar. É de político!
O tempo será, naturalmente, o melhor conselheiro.
Para já, o ministro das Finanças tenta introduzir no ambiente o optimismo em falta à esmagadora maioria dos portugueses. E terá sempre condições argumentativas para anunciar, talvez mais cedo do que tarde, a inevitabilidade já absorvida na mente de todos: austeridade em cima da austeridade. O atraso na adopção de reformas estruturais será sempre um bom aliado de Vítor Gaspar...