Muitos decisores portugueses dispõem de uma vértebra inclinada para a "finesse": quando têm algo a transmitir aos cidadãos usam a Comunicação Social estrangeira. Incham, incham, quase rebentam o ego. Uma entrevista a um canal de televisão nacional ou a um jornal situado entre Bragança e o Corvo não lhes garante o mesmo eco de um naipe de banalidades passadas à CNN ou ao "Finantial Times". O estatuto é outro! E como por cá não faltam nem preguiçosos nem quem entenda ser chique funcionar como caixa de ressonância, fica fácil fazer passar a mensagem.
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O exercício, há uns anos, era do estrito foro do Desporto. Sempre que alguém queria subir o valor de mercado de um jogador não tinha melhor estratégia: sob anonimato ou tão-só para não comprar guerras de privilégio de títulos portugueses, passava a mensagem a um canal de informação dos mais consumidos em Espanha, Itália ou Inglaterra e não tinha como se saber: no dia seguinte aí estava o recado plasmado por cá, em tudo quanto é sítio. Afinal, o conceito de aldeia global também serve para este tipo de coisas...
Aprimorada a estratégia, correm-se, apesar de tudo, alguns riscos, quanto mais não seja se um simples erro de tradução acabar por dar para o torto.
Que o diga o secretário de Estado controlador da relação do Governo junto da troika...
Carlos Moedas resolveu escrever um artigo para o "Wall Street Journal" - não é lá qualquer coisa. Perorou sobre uma multiplicidade de questões e resolveu enveredar por um caminho histriónico. Em tempos de vacas magras - se calhar vão é ficar mirradas a curtíssimo prazo! - lá equacionou o cenário mais estranho de todos: um abaixamento de impostos. No dito cujo artigo de opinião admitiu que a descida da despesa primária "vai contribuir ainda mais para uma mudança dos sectores não transaccionáveis para os transaccionáveis e vai, assim, acabar por abrir a possibilidade para descidas nos impostos".
Não tem que saber: uma parte da manhã de ontem foi mediaticamente consumida em volta de tão brilhante raciocínio. Gerou-se uma onda telúrica, mais de suspeita sobre se Carlos Moedas não teria ensandecido do que propriamente de euforia. E o governante achou avisado refrear a onda; resolveu traduzir melhor o sentido da sua conjugação de sintagmas nominais e verbais ao "Wall Street Journal". E o que disse ele? Esta coisa maravilhosa: a redução de impostos deve "ser o objectivo de qualquer Governo", mas "obviamente um dia", depois de se conseguirem reduzir as despesas do Estado. "Um dia", leu bem.
Simples?
Claro. Embora a equação devesse ser outra, isto é, a de se reflectir sobre os efeitos imediatos de uma baixa de alguns impostos como ponto de partida para relançar a economia e, por essa via, reformatar o Estado.
Nos moldes em que foi plasmada a ideia de Carlos Moedas ao "Wall Street Journal", o exercício parece uma equação primária. Faz lembrar a velha história segundo a qual se a avó não tivesse morrido talvez pudesse ser um camião.
