Há quem diga que as confissões religiosas, designadamente a católica, é muito ritualizada. Cheia de cerimónias e simbologias que se cumprem apenas formalmente. Pode ser. Mas a verdade é que a vida política partidária, essa sim, parece ser radicalmente ritualizada seja no discurso que obrigatoriamente costura a malha mediática seja nas reuniões magnas onde ninguém parece dizer nada de novo, sendo mesmo a mais leve alteração ao previsto olhada como elaborado exercício de conspiração.
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Torna-se tema quente, engole a matraca ideológica formal e deixa toda a gente a fazer cara séria depois de se ter rido a bandeiras despregadas ao ser apanhado de surpresa.
Estou naturalmente a pensar no fenómeno Rebelo de Sousa no último Congresso do PSD. Primeiro não estava previsto. Toda a gente se surpreendeu e se riu. Depois toda a gente retomou a gravitas e se assumiu como conhecedora da longa maquinação perpetrada pelo congressista assim ao jeito de "com esta não me apanhas".
Marcelo teve apenas dificuldade de se comentar a si próprio. Riu-se das maquinações atribuídas e deixou no ar a dúvida que convém para não arrefecer completamente os ânimos. Porque isto de ânimos, o melhor é garanti-los bons ou maus. Passar despercebido é que não dá.
E foi o que ficou de uma reunião que visualmente, esta como as outras, sempre parece à Kim Il Sung mas que apesar de tudo reúne a base da representação democrática.
Talvez se os congressos fossem à porta fechada se ganhasse alguma coisa. Eu por mim preferia não acompanhar nem um minuto destas reuniões e ter conhecimento claro e conciso das principais conclusões. Deixando que cada militante se assuma como efetivo contribuinte na implementação de uma ideologia e não um boneco animado que tem de fazer um número para as televisões. Até porque esta ditadura dos media não nos garante total transparência. Só vemos o que é julgado importante ou potencialmente provocador deixando muitas vezes protagonistas menos valorizados a discursar debaixo dos comentários dos jornalistas numa versão que constrange quem vê e desrespeita quem fala.
Militante ou não, o cidadão tem direito a perceber o que lhe propõem e não a ser distraído pelo discurso do ex-presidente da Câmara das Caldas da Rainha a agonizar de esforço para ter graça.
Por outro lado, e se tudo fosse à porta fechada, talvez houvesse lugar a uma maior naturalidade e ao retorno de alguma confiança de que ainda pode haver genuinidade e emoção mesmo nos mais treinados atores políticos. Por que raio não poderá Marcelo Rebelo de Sousa ter ainda uma réstia de emoção pelo partido que ajudou a criar? Mas só porque toda a gente viu e toda a gente tem vergonha de ter sentimentos e emoções (é verdade que neste caso o líder do partido não ajuda) aqui-d'el-rei que é tudo perfídia e cálculo. Que chatice, meus senhores. Prefiro não ver nada a ter de conviver com estes efeitos secundários da mediatização.
E o problema pelos vistos é falar. Porque eu vi Marques Mendes sentado ao lado do secretário-geral e escapou-me por que é que não se lhe descortinou incoerência ou pelo menos uma grande lata. Afinal não está semana sim, semana sim, em desacordo com o Governo e com pelo menos um dos partidos que o sustentam?
Não será levar a liberdade de expressão longe de mais ao tomar como normal a sua presença neste congresso em lugar de destaque e de proximidade com a liderança?
Ficamos todos sem perceber nada ou então apenas a fazer zapping.
Por mim, volto a dizer, prefiro que os partidos se reúnam à porta fechada para que tenhamos a certeza de que podem falar livremente e sem medo da sombra mediática.
A ter de continuar assim, então, senhores, vamos lá a ser imaginativos. Que Marcelo quer ser candidato a Belém já toda a gente sabe. Mas então e se Passos Coelho convidou Miguel Relvas garantindo assim a minoria na Comissão Nacional e a seguir o caminho para mais tarde ser deposto não querendo, como me parece tanto que não quer, voltar a ser candidato a primeiro-ministro nas próximas eleições?!
Viva o PCP. Que ainda faz (parte) dos congressos à porta fechada.