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O burburinho causado pelo putativo regresso de Passos Coelho aos palcos vale uma reflexão. Desde logo, porque tal burburinho diz muito sobre o estado atual da política indígena, a braços com uma profunda crise de liderança e de substância. Que o PSD profundo suspire, como suspira, pelo regresso do "salvador" entende-se bem. O cheiro a Poder nunca se colou à pele de Luís Montenegro, cuja prática se resume a um entediante conjunto de arengas sem tom nem som, para parafrasear Javier Marías. Um partido que almeja governar não vive nunca sossegado, sem essa fragrância que exalta a testosterona da militância ululante e ansiosa por desfraldar bandeiras em comícios que prenunciam a chegada ao comando da nação. Cheirando o sangue que sai das feridas abertas, Marques Mendes, o vidente do burgo, já ditou sentença: sem Passos, o PSD não governará tão cedo. Pequena questão: o país ainda não perdoou as malfeitorias de Pedro, porque tem bem vivas as feridas do período "troikiano". O problema, parece-me, não está tanto aí. O que vê hoje o país quando se olha ao espelho? Desesperança sem liderança. À esquerda: o Bloco caminha para o estatuto de partido rufia e o PCP não sai (não pode sair) do estado de mumificação. À direita: a IL perdeu o sainete e arranha-se com frémito. O Chega, agremiação de um só homem, instituiu a política do grito sem vergonha. Ao centro: o PS existe tão-só para servir o Governo e o PSD autoflagela-se. Este caldo conduzirá, com arrepiante naturalidade, à emergência de um líder que não se aborreça com os incómodos que implica liderar. Goste-se ou não do género, perdoe-se-lhe ou não o passado, Pedro Passos Coelho tem esse sangue na guelra. É meio caminho andado.
*Jornalista