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Além de conduzirem pela esquerda e teimarem em medir o Mundo em milhas e polegadas, os ingleses têm a insólita mania de votar às quintas-feiras, em dias de trabalho. E, no entanto, não é por isso que se abstêm mais que nós. Numa democracia antiga, que não precisa de fixar em letra de lei o que resulta do bom senso do povo, há várias teorias para explicar a bizarra escolha do dia para votar. A mais racional argumenta que a quinta-feira era geralmente o dia de mercado, quando mais gente afluía às cidades. Ora, já que lá estavam, podiam ir às cabinas de voto e depositar nas urnas as suas escolhas. Se não lhes falha a memória, sempre votaram à quinta, com duas únicas exceções: foi nos idos de setenta, no século passado, quando duas eleições parciais tiveram de ser antecipadas para quarta-feira. No dia seguinte começava o campeonato do mundo de futebol.
Entre nós, eleitores domingueiros, a abstenção cresce como eucalipto. Mais de metade dos portugueses com capacidade eleitoral não vota. Muitos são jovens. E a abstenção resulta do facto de, não sendo o voto obrigatório, alguns escolherem não exercer o direito de votar. Mas resulta também do facto de, por motivos alheios à sua vontade, alguns cidadãos enfrentarem impedimentos no acesso ao direito de voto. Sim, hoje há vários jogos de futebol que convidam à deslocação de alguns milhares de pessoas. Mas não há futebol, ou missas, ou calor de pedir praia que nos impeça de votar se, verdadeiramente, quisermos e pudermos votar. A não ser por impedimento. A ridícula gritaria que por aí andou, há dias, a propósito de uns quantos jogos de futebol em dia de eleições iludiu e adiou a oportunidade para debatermos o que fazer perante tão elevados níveis de abstenção.
Debater, por exemplo, como acolher, com segurança e de forma opcional, a recomendação do Parlamento Europeu, já com dois anos, para que os estados-membros introduzam o recenseamento e a votação eletrónica, adotando medidas para garantir a fiabilidade dos resultados, o segredo de voto e a proteção de dados. Na era do reconhecimento facial, no país que inventou o Multibanco e a Via Verde, onde uma parte da nossa vida bancária e fiscal já é feita diante de um computador, e onde se fazem cada vez mais compras do outro lado do Mundo sem sair de casa, é uma pena que não expliquemos ao Mundo como se pode democratizar mais a participação democrática. De entre os meus filhos em idade eleitoral, uma teve de viajar 500 quilómetros para votar, e outro trabalha a duas horas de voo, não pôde vir a casa em dia de eleições. São milhares de votos em offside, fora de jogo na língua do inglês. Uma pena.
DIretor