Nove meses foi o tempo necessário para que a Tunísia organizasse eleições, como se fosse a gestação de um novo ser humano. Não se pode dizer que o país está tranquilo enquanto espera o resultado da votação hoje aberta a sete milhões de pessoas. São 50 os partidos que se apresentam, num ambiente político onde as convicções religiosas radicais se cruzam com novas ideias. Foi ali que a "Primavera árabe" começou, com o acto desesperado de um jovem. Há nove meses, o jovem vendedor ambulante Mohamed Bouazizi imolou-se pelo fogo, desencadeando uma mudança radical no cenário do norte de África.
Corpo do artigo
Da vizinha Líbia, as imagens que têm chegado nos últimos dias são chocantes, extremas, a recordar o que vimos em Maio passado com a morte de Bin Laden. As diferenças estão no controlo das imagens e das informações por parte dos militares norte-americanos, que tiveram a subtileza de atirar o corpo ao mar ou, pelo menos, de dizer que o fizeram. A violência em Sirte é mais visível, mais suja, mas é tão assassina como uma operação militar.
Uma extensa fila de homens espreita agora o ditador morto, no chão da câmara frigorífica de um talho. O ditador foi, percebe-se pelas imagens filmadas com telemóveis, linchado com ódio enquanto invocava inútil e pateticamente a lei que ele próprio desprezou.
As dificuldades com que o novo regime se depara vão ser enormes e estão vigiadas pelos países que ao longo dos últimos meses não esconderam o interesse em tomar conta deste extenso e complexo país de desertos e tribos. Haverá eleições livres na Líbia e daqui a quanto tempo?
Quando hoje forem votar, os tunisinos levam com eles as expectativas dos que observam o Magreb, banhado pelo mesmo mar que viu florescer e cair impérios e civilizações. É apontada como possível a vitória de um partido - o Ennahda - que é islamita não radical e defende uma linha idêntica à do AKP, no poder na Turquia.
A frase "Delenda est Carthago" (Cartago deve ser destruída), ficou para a História. Catão concluía com ela cada intervenção no Senado romano durante as Guerras Púnicas.
Cartago, a grande capital comercial do Mediterrâneo que os fenícios criaram , foi arrasada pelos romanos em 146 aC. e os sobreviventes foram vendidos como escravos. Ao lado das ruínas nasceu Tunes, capital de um território disputado por árabes, turcos, franceses e alemães e que se tornou independente há 55 anos.
Hoje, numa reconstrução mental de Cartago, esperemos o que vai acontecer na Tunísia, cujo ministro dos Negócios Estrangeiros gosta de evocar o 25 de Abril de 1974.