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Vamos fingir que o Governo da AD não quer favorecer os senhorios especuladores, nem os fundos imobiliários, que cada vez mais investem no mercado de arrendamento. Vamos fingir que o Governo da AD tem noção do país que governa, que uma renda de 2300 euros é "moderada" e que um casal que ganhe mais de 5000 euros por mês é de "classe média" no Portugal de 2025. Vamos fingir que os nossos governantes conhecem pessoas reais, do país real, e não apenas os privilegiados dos círculos em que se movem. E vamos fingir que não governam apenas para eles.
Assumamos que esta política de habitação (que fará tudo menos diminuir as rendas, e porá os contribuintes a pagar a especulação vampiresca dos proprietários) é uma governação em modo "wishful thinking" e que a ideia dos nossos governantes é governar para o país que gostariam que existisse. É uma espécie de governação ao estilo coach de livro de autoconhecimento, aqueles que aconselham os seus leitores a viver como a pessoa que gostariam de ser, manifestando, com isso, aquilo que querem materializar.
Assumamos que o mesmo Governo que trabalha em função de perceções decidiu agora trabalhar em função da projeção desmesuradamente otimista do país que deseja, um país com salários nórdicos que pode fazer face a rendas do Norte da Europa, de casas de qualidade, que valem os valores pedidos.Este estilo de governação "wishful thinking", de quem por demência benigna olha para o país e vê tudo cor-de-rosa, pode estender-se para outros campos, sendo fácil imaginar que o mesmo Governo da AD queira desmantelar o SNS, porque acredita que os portugueses têm uma saúde de ferro e que a nossa população está em franco rejuvenescimento. Ou que decida subir as propinas nas universidades, enquanto diminui o financiamento das mesmas, por achar que a cada ano temos mais alunos a ingressar no Ensino Superior e que os mesmos casais que podem pagar uma moderada renda de 2300 euros podem, perfeitamente, pagar propinas mais altas e quartos a 500 euros para os seus muitos filhos irem estudar para a faculdade.
O mesmo Governo da AD pode achar que é desnecessário subir os salários, já que se vive tão folgadamente em Portugal. Pode achar que é mesmo preciso eliminar a imigração, porque a nossa economia nem sequer tem falta de mão de obra e as empresas são prósperas e lucrativas mesmo sem ninguém para trabalhar, nas estufas, nas cozinhas dos restaurantes, na recolha do lixo, nas linhas de montagem, nas entregas de comida...
Um Governo que trabalha para um país que não o nosso. Porque o nosso, onde vivemos mesmo, está desgovernado e há cada vez mais gente que trabalha, mas não consegue ter casa e anda tudo em esforço a pagar rendas e juros altos, numa transferência concertada do dinheiro das famílias para os especuladores (para quem o Governo verdadeiramente trabalha).