Agosto. Atravessar o país e ver as chagas de floresta queimada por longos e penosos quilómetros na berma da estrada. Terra queimada de um lado e de outro na A1 e aqueles eucaliptos fantasmas, carbonizados mas ainda de pé, lembrando que a monocultura tem preço e a conta chega ano após ano.
Parar. Passar uns dias no campo e, apesar do calor abrasador e da falta de água, ouvir os foguetes de agosto, que nunca cessam, apesar do apertar das proibições. Ver as colunas de fumo no horizonte, felizmente do outro lado do rio, mas a cada dia brotando aqui e ali, lembrando o perigo constante e que amanhã pode ser mais perto.
Sentir o cheiro a fumo na brisa, constantemente. A luz que escurece, ficando ocre, porque a nuvem escura se intromete diante do sol. Deixar de ouvir o ruído a água corrente, que outrora era ininterrupto, nas bicas do tanque, alimentado a água da mina, mas que este ano não jorram, nem sequer pingam, num mau presságio opressivo.
Pensar que este pode ser (como diz um jovem ativista na Internet) o mais fresco verão do resto das nossas vidas e, inevitavelmente, começar a sofrer de (como se diz agora) ansiedade climática. Olhar para o meu filho, sabendo que quando ele tiver a minha idade, provavelmente, vai ter o acesso à água muito limitado, terá mais plástico do que peixe nos oceanos e as perspetivas de futuro muito condicionadas pelas consequências da crise climática. A imprevisibilidade do clima já afeta, mas afetará ainda mais as colheitas, as possibilidades de sobrevivência, a geopolítica e por tudo isso a vida quotidiana, de uma forma muito mais profunda do que podemos prever.
E ainda assim, agosto. Tentar descansar. Recuperar o elo com o tempo. Sentir que o silêncio é bálsamo e não vazio. Reprogramar o espírito para conseguir valorizar o ócio, como estímulo e não como inoperância. Estar em paz com o tédio e fazer dele campo de criação, como as crianças do passado. Sacudir dos ombros a tensão da hiperprodutividade. Esquecer o telefone algures e não procurar. Ler.
Mergulhar em água doce e relembrar como é, de facto, doce. (Parece óbvio, mas não é de todo). Reconectar com o corpo, mas com o prazer, não mais com a dor. Colher os primeiros figos do ano. Lembrar como sabem a beijos. Colher os primeiros tomates do ano. Lembrar que são frutos (de tão doces). Cozinhar sem pressa. Fazer um bolo para o lanche, mesmo sem jeito, mesmo sem hábito. Só para ter o pretexto de estender a toalha para o lanche e fazer limonada. Estar a gosto. (Apesar do Mundo).
*Música

