Costumo dizer, meio a brincar, que antes da pandemia eu era uma otimista que não guardava rancores, mas que a experiência destes últimos anos fez-me ver o copo meio vazio e começar uma considerável lista negra.
Claro que meio a brincar se dizem meias-verdades e às vezes verdades inteiras. Sendo que, apesar de soar feio, não consigo manter limpas as lentes benévolas de antigamente, nem relevar as culpas dos que tanto contribuem para que as mesmas se tornem foscas com o tempo. E não falo apenas de questões pessoais ou profissionais, tornei-me mais crítica também com o país, com o Governo, com os média e com as rotinas repetitivas deste bidé a que chamamos espaço público.
É muito cansativo constatar ano após ano que a toxicidade do debate aumenta e que este se torna cada vez mais desinteressante; ver que o Governo mesmo com maioria absoluta, muita experiência e fundos europeus à disposição, consegue, mês após mês, reforçar a sua inoperância, a sua incompetência e o seu total desprestígio; assistir à degradação das condições de vida das pessoas (com a inflação e as taxas de juro a subir vampirescamente) mesmo que nos digam que o PIB está impecável; e perceber que os média estão mais interessados em promover a ascensão da extrema-direita, numa espécie de profecia autorrealizável, do que em questionar e desconstruir o seu discurso demagógico e populista.
Entendo que seja cada vez mais difícil encontrar pessoas de bem e com competência para exercer cargos políticos. O escrutínio mediático é enorme e às vezes até pidesco e se antes era prestigiante ser ministro, hoje o cargo é visto como um "tacho", ou como um "poleiro", havendo um ónus de desconfiança associado ao mandato. Quase ninguém quer receber menos do que no privado e ir para o Governo para ser chamado de malandro (já que pelos pecadores pagam os justos e o espírito de serviço público há muito que foi desacreditado pelo zeitgeist).
Sei que ser jornalista hoje é viver na precariedade e que os média precisam do "clickbait" para conseguir o número de acessos que faz vender espaços de publicidade. Mas não é uma geração de jovens mal pagos, a recibos verdes e com três anos de licenciatura, obrigados a gerar conteúdo bombástico ao minuto e a antecipar a concorrência, mesmo prejudicando a confirmação dos factos da notícia, que vai exercer a missão do jornalismo como garante da democracia.
Ainda assim, por muita compreensão que tenhamos, os últimos meses de achincalhamento das instituições, pelo lado da incompetência política e pelo lado de quem alimenta as polémicas, tem sido um desserviço perigoso à nossa democracia. Pela minha parte, ao contrário de António Costa e do seu "otimismo irritante", só me sobrou mesmo a irritação. Resta-me tentar amenizá-la com o meu copo meio vazio de chá de camomila, enquanto acrescento mais umas entradas à minha lista negra.
*Música

