O mercado da saúde, como qualquer outro, é imperfeito. As atipias existentes, nomeadamente de assimetria de informação entre o cidadão (procura) e os prestadores (oferta), originam indução significativa da procura de cuidados de saúde, existindo uma dificuldade expressiva em identificar se os cuidados prestados são os adequados e necessários para determinada condição clínica. Acresce que a vulnerabilidade do cidadão, nomeadamente em situação de doença, dificulta decisões informadas sobre o consumo de cuidados de saúde. Neste sentido, o papel regulador do Estado é ainda mais relevante. Não obstante o seu papel regulador para a segurança dos cidadãos, são amplamente conhecidas as falhas na identificação de cuidados de duvidosa qualidade e em alguns casos criminosos, como temos assistido nos últimos tempos! Assim, a competitividade entre os setores origina, quase sempre, injustiças para os diferentes atores. A saber: instituições públicas que ficam reféns de infraestruturas antigas, muitas vezes ineficientes e com regras rígidas e desadequadas de gestão, excessivamente burocráticas, desincentivadoras de práticas eficientes, reduzindo a sua competitividade neste mercado; instituições privadas que concorrem com um monopólio de instituições financiadas publicamente e que podem, ainda que em alguns casos à custa de défices orçamentais, aplicar preços abaixo de custo, chegando mesmo a realizar dumping! Por fim, o utilizador que tenha escolha não tem disponível informação clínica relevante sobre os resultados dos cuidados que são prestados pelos prestadores, limitando a sua decisão a fatores ligados à dificuldade/facilidade no acesso, ao preço no momento do consumo e às condições hoteleiras. Muitas destas injustiças são potenciadas pela manigância de certos profissionais de saúde a quem, em alguns momentos, convém a ineficiência dos serviços públicos. Esta ineficiência vem engordar a lista de utentes públicos que chegam ao privado por via de acordos, aparentemente criados para aumentar a acessibilidade aos cuidados de saúde, dos quais se pode dar como exemplo o que foi o Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas (CIGIC).
Acresce a estas dificuldades o caso de pessoas ou doentes com risco elevado ou com expetativas de custos muito elevados. Por exemplo, pessoas com doenças raras, com doença oncológica, ou com múltiplas doenças crónicas cujo custo de tratamento ou o número de dias de internamento são demasiado elevados para ser rentável numa lógica de economia de mercado. Neste contexto, parece fazer sentido uma lógica de complementaridade dos setores público e privado, que permita melhorar a acessibilidade aos utilizadores, rentabilizando todo o potencial em infraestruturas e recursos humanos existentes quer no setor público, quer no privado, garantido o acesso aos melhores cuidados de saúde disponíveis no mercado, mantendo ou eventualmente reduzindo o custo para o Estado e para os cidadãos. Além desta complementaridade, faz ainda sentido criar condições para que todos profissionais de saúde (e não apenas uma pequena franja) desenvolvam a sua atividade em regime de exclusividade em qualquer um dos setores de atividade - público ou privado, não potenciando o conflito de interesses entre esses! Por muito que seja minha a convicção que os profissionais de saúde são orientados pelos mais elevados padrões éticos e deontológicos de conduta, a carne é fraca e os tempos difíceis...
*Professor Universitário. Bastonário da Ordem dos Enfermeiros (2012-2016)
