O fotojornalismo ganhou terreno e força com o 25 de Abril (1974). E só nos anos 80 do século XX obteve estatuto profissional. Antes, o atributo de "bate-chapas" mostrava a fraca consideração pela atividade.
A carteira de jornalista passou a ser atribuída aos fotógrafos de imprensa, tal com aos "cameramen", pelo Sindicato dos Jornalistas. Bruno Neves terá sido um dos primeiros encartados como repórter fotográfico e deixou-nos, a 26 de janeiro.
Com ele fiz várias reportagens para o "Diário de Lisboa". Incansável, tinha a inquietude, a argúcia e a sensibilidade dos grandes repórteres. O jornalismo corria-lhe nas veias. E começou a correr-lhe precisamente com a torrente abrilista que se estendia pelas ruas do Porto, com os cravos vermelhos. Os grandes acontecimentos também despertam potencialidades.
O fotojornalismo tem-se imposto no Mundo e mostra que a "invasão digital" não lhe diminui a importância. Antes pelo contrário, a "ágora digital" requer melhores repórteres fotográficos, mesmo que o amadorismo disponha hoje de requintadas ferramentas. As imagens não são apêndices da "sociedade da ecranvidência", antes elementos centrais da vitalidade do jornalismo exigente.
Para Bruno Neves, o essencial não eram as máquinas fotográficas, mas sim o olhar com que captava as cenas. Esse olhar ficou bem patente na exposição "As crianças da minha Sé", aberta na Estação de S. Bento (junho de 2022). Caloroso e divertido, mostrou como um tripeiro de gema (nos gestos e no calão) sabe trazer a genuinidade do "Porto histórico" para a narrativa fotográfica. Algumas das fotos remetem-nos para Doisneau, ou mesmo para Manoel de Oliveira, que tanto filmou na Ribeira ("Faina fluvial" e "Aniki Bobó").
A sua luta pelos direitos dos mais desprotegidos foi constante. Essa era uma das marcas do repórter que não se desliga do cidadão. Simples no trato, popular nos gostos, eloquente na captação dos sentimentos. Foi assim Bruno Neves. Por tudo isso, o fotojornalismo ficou mais pobre, sem um "repórter de Abril".
*Investigador e professor na Universidade da Maia
