O noticiário angolano desta semana teve ingredientes aparentemente longe uns dos outros, mas que nós, com alguma boa vontade, conseguimos juntar e ver que até estão interligados. Como dizia um amigo, Angola é a terra onde o impossível se torna em coisa absolutamente normal e nem damos por ela.
Mas o melhor é começar por explicar que quando falo em luz não me estou a referir a qualquer projetor para uma atividade fotográfica. Nada disso. É de luz mesmo, eletricidade. Aqui não nos preocupamos com esta palavra: eletricidade, é demasiado longa. Em Angola ou se tem ou não se tem luz, independentemente da hora. Portanto, o mais normal é ouvir ao meio-dia um "não tragas as crianças para casa porque não há luz para verem a televisão". Acho que deu para entender.
O sexo também esteve em alta nos noticiários da semana. Não, também nada tem a ver com a atividade mais carnal dos padres que em Angola é assunto mesmo sem luz, encoberto, não como se os padres fossem todos eunucos, mas como se por cá não houvesse um único padre.
Aqui o sexo que se noticiou foi mesmo o mais tradicional e irresponsável: 50% das mulheres já tiveram uma gravidez aos 18 anos. Não sei se há padres metidos nisso, mas quer o seco anda à solta, lá isso anda. Está explicado o crescimento demográfico, com uma taxa de cerca de seis filhos por mulher. Estes dados são oficiais, o que, quer em Angola, quer em Portugal, normalmente levanta algumas questões e o melhor é pensar numa margem de erro para o pior.
A culpa não é das miúdas, seguramente, deve ser da falta de luz. Só pode. Porque nos períodos em que a luz vai, muita coisa pode acontecer, não há televisão. E a criançada solta-se a fazer as coisas que a televisão mostra quando há luz, presumo.
Nada a ver com a Efacec que perde a participação da elétrica de cá, a ENDE, que ainda não deu luz a uma normalidade em que se possa ver televisão o dia inteiro e em toda a parte, apesar dos fortes investimentos em barragens e noutros serviços do setor elétrico.
Se entre a falta de luz, o sexo e a gravidez antes dos 18 anos pode haver uma relação (estou mesmo a forçar), se juntarmos a ideia de que as mais de duas mil denominações religiosas que por cá andam não conseguem parar a libido dos adolescentes, então há um crime na base disso tudo, só pode.
Ora, o Serviço de Investigação Criminal anunciou a detenção de várias pessoas em diferentes províncias e a apreensão de mais de 300 toneladas de material elétrico roubado. Alguém teve a ideia de saquear tudo o que é cabina elétrica pública, postos de transformação, cabos de alta, baixa e média tensão. O crime está avaliado em mais de 600 milhões de dólares e ainda estamos no início das investigações e da contagem. Está explicado: os bandidos tiraram os cabos e a luz, o que dá na gravidez precoce e resulta na multiplicação da população pobre. Bem, acho que forcei demasiado, mas em Angola é assim mesmo.
* DIRETOR DO JORNAL "O PAÍS", ANGOLA
