Cerca de 100 milhões de americanos já votaram antecipadamente, o que é um sinal dos tempos, mas também da importância do ato eleitoral de hoje.
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Ao todo, estima-se que sejam mais de 150 milhões os eleitores a participar na provável eleição de Joe Biden como o 46º Presidente dos EUA. O que significará também a abstenção mais baixa desde 1908, quando 65% dos americanos reelegeram William Howard Taft.
Com uma vantagem confortável nas sondagens nacionais, nos estados indecisos e no voto antecipado, se estivéssemos perante umas eleições normais poucos arriscariam não prognosticar a derrota do Presidente. Mas depois de 2016, todas as cautelas são necessárias e persiste ainda a indecisão. Irá Donald Trump derrotar novamente as expectativas? Haverá erros nas sondagens estaduais que não conseguem interpretar o chamado "voto escondido" em Trump? Conseguiu o Presidente ultrapassar todos os defeitos da sua personalidade e mobilizar o voto da América rural e conservadora nesta última hora?
Penso que não. Joe Biden não é Hillary Clinton nem as circunstâncias são as mesmas e hoje, ou nos dias seguintes, o antigo Vice-Presidente deverá ser declarado vencedor. E mesmo que as eleições sejam mais renhidas do que as sondagens apontam neste momento, acredito que os estudos de opinião terão evitado os erros de há quatro anos e o Democrata estará hoje em melhores condições do que Clinton: além de ser uma personalidade muito mais popular e com um índice de rejeição muito mais baixo, mesmo depois dos ataques que sofreu por parte da campanha republicana, Biden recuperou segmentos relevantes do eleitorado democrata que votou Trump, nomeadamente os eleitores dos subúrbios das grandes cidades (sobretudo as mulheres brancas) e os eleitores brancos com educação superior. Estes aspetos poderão ser decisivos para a sua vitória, pois foram determinantes para o resultado surpresa em 2016, quando Trump, num esforço final e aproveitando muitos erros cometidos pela campanha democrata, conseguiu vencer em estados decisivos do Midwest, onde Hillary Clinton nem sequer tinha feito campanha. Desta vez, os democratas surgiram muito mais prevenidos e competiram em todos os estados indecisos, tendo até alargado o número de estados em disputa, como o Texas, Arizona e Geórgia, tradicionalmente republicanos.
Mas é o mandato de Trump e sobretudo a gestão da pandemia de Covid-19 que poderá ser a principal justificação para o favoritismo de Biden: mais de 230 mil mortos, crise económica subsequente e sua própria infeção e comportamento errático naquela semana fatídica poderão ter derrotado o Presidente. Muitos americanos que apoiam as suas políticas, mas que nunca gostaram dele ou da sua personalidade, estavam dispostos a votar nele novamente. Esta campanha eleitoral e, sobretudo, aquele período de transição entre o primeiro debate e a sua infeção de Covid-19, poderão ter empurrado estes eleitores de forma decisiva para Biden. Sem tudo isto, talvez ele fosse o favorito nesta eleição.
Deste modo, também é preciso dizer que ele pode ser reeleito: se a mobilização do seu eleitorado nestas últimas semanas tiver sido de tal forma avassaladora que lhe permita recuperar em estados chave. Mas isso implicava vencer quase todos os estados que estão em disputa. Ao todo são doze, onde Biden é favorito em pelo menos oito desses estados. Possível? Sim. Provável? Não.
*Especialista em política americana