O célebre aviso do Metro de Londres, que alerta para o espaço que separa a plataforma e a carruagem, lançou o mote para uma breve análise sobre o que separa a evidência da ação em Portugal.
A Fundação Calouste Gulbenkian divulgou em 2015 o relatório «Um Futuro para a Saúde» que propõe "uma transição do sistema atual, centrado no hospital e na doença, em que todas as ações têm como objeto e alvo o doente, para um sistema centrado nas pessoas e baseado na saúde, em que os cidadãos são parceiros na promoção da saúde e na organização dos cuidados". O relatório referia, entre outros pontos, que "a enfermagem está relativamente subaproveitada nas suas capacidades relativamente ao que ocorre noutros países europeus, pelo que os profissionais de enfermagem poderão desempenhar funções mais amplas e proeminentes no futuro".
Por sua vez, o relatório da OCDE «OECD Reviews of Health Care Quality - Portugal 2015», reforça a ideia que os recursos humanos em saúde podem ser utilizados de forma mais eficiente e prestar melhores cuidados. A OCDE recomenda que os enfermeiros e enfermeiros especialistas assumam papéis mais alargados que contribuam para reduzir as taxas de cesarianas, as infeções hospitalares, coordenar as altas hospitalares precoces (após episódios de AVC, enfartes ou quedas), mas igualmente assumir o papel de gestor de caso em doenças complexas. Esta organização internacional reforça a importância dos enfermeiros e enfermeiros especialistas na transferência dos cuidados do hospital para a comunidade e no apoio que estes poderão dar na reabilitação e gestão das pessoas nos seus contextos.
Finalmente, o «Relatório da Primavera 2015», do Observatório Português do Sistema de Saúde, alerta para o rácio reduzido de enfermeiros quando comparado com outros países da OCDE e com os médicos existentes em Portugal.
Contudo, o Ministério da Saúde e, em particular, a Direção-Geral da Saúde, mantêm uma visão estagnada e pobre na elaboração de normas de orientação clínica que não permitem ir ao encontro das práticas recomendadas. Em alguns casos, promovem o fim de projetos eficientes, como o Parto na Água no Centro Hospitalar de Setúbal, sob pressão da Ordem dos Médicos, com pavor de perda de protagonismo e da sua sustentabilidade financeira no privado, quando a evidência nos diz que a redução de cesarianas é substancial com o uso desta metodologia.
De igual forma, temos uma Rede Nacional de Cuidados Continuados com défices gravíssimos de enfermeiros e enfermeiros especialistas de reabilitação que impossibilitam o cuidado a que as pessoas têm direito. Nos lares, temos uma legislação que se preocupa mais com a existência de elevadores do
que com a resposta às necessidades de saúde das pessoas que lá vivem. A isto acresce o enorme número de lares ilegais ou a funcionar bem longe das práticas recomendadas e legisladas.
De facto, a realidade tem-nos mostrado que existe uma distância significativa entre o que a evidência técnico-científica demonstra e o que os decisores políticos implementam. Afinal onde está a decisão política tendo por base a evidência? Mind the gap...
*Professor Universitário e ex-Bastonário da Ordem dos Enfermeiros (2012-2016)
