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Não há na história do "Homo sapiente" (que aos poucos moldou e acabou por criar o Antropoceno) uma cupla tão evidente em relação ao estado a que chegararm as coisas na tão massacrada "casa comum." As coisas são muitas e muito feias. Configuradas em números, às vezes acabam por se verem diluídas em contextos, conjunturas e enquadramentos. Mas é facto que os números são importantes para tentar perceber ao ponto a que as coisas chegaram. Decorre mais uma COP. Desta vez a número 15, voltada para a perda da biodiversidade no planeta. Em Montreal, na Canadá, na COP15, estão reunidos chefes de estado e de governo de todo o mundo para tentarem, no papel e no plano das intenções (dizem alguns), travar quase "por decreto", a perda da biodiversidade a que temos vindo a assistir de forma catastrófica ao longo das últimas décadas de forma mais evidente e perigosa. Esta cimeira segue-se à COP27, que decorreu no Egipto e que em relação às atitudes reais face ao aumento da temperatura da Terra, pouco ou nada ousou que se sinta. Vamos tentar chegar às dolorosas evidências de enquadramento. Desta forma somos capazes de perceber melhor o que de facto se está a passar. De acordo com um estudo recente do WWF (Fundo Mundial para a Natureza), nos últimos 50 anos o mundo perdeu 70 por cento dos animais selvagens. Este estudo que reuniu 150 cientistas de 50 países, assim como técnicos das Nações Unidas, lembrou ao mundo que até 2030 um milhão de espécies de animais e plantas pode vir a desaparecer para sempre. Há um século, em África viviam em estado selvagem 200 mil leões. Hoje existem apenas entre 20 a 25 mil. Estamos a invadir o mundo e os habitats selvagens como nunca o fizemos antes. Está de facto aberto o caminho para a sexta extinção de que tanto se fala. Apenas 25 por cento da suprefície do planeta continua selvagem. Intocada. Regiões que pertencem a 4 países: Rússia, Brasil, Canadá e Austrália. A história mostra que o Homo sapiens continua a ser o predador mais perigoso, mais destrutivo e mais calculista. Talvez o único que mata, porque sim! Temos a sobrepesca (quase 40 por centos dos bancos de pescado encontram-se esgotados) a caça furtiva ou a desmatação a dar lugar a áreas agrícolas de dimensões cada vez mais assustadoras. Continuamos a derrubar 15 mil milhões de árvores por ano em muitas parcelas do mundo. Metade das florestas tropicais (que uma albergam uma elevadíssima percentagem de toda a biodiversidade do planeta) já desapareceram com a desflorestação. Metade. Não há erro. O tráfico de animais selvagens e seus derivados é o 4º negócio ilícito mais lucrativo do mundo e movimenta por ano 200 mil milhões de Euros. A expansão das áreas de cultivo, cultivo intensivo e superintensivo não abrandam, bem pelo contrário. Estamos como nunca a invadir e a matar a vida selvagem e os ecossistemas selvagens. Dizem as Nações Unidas que a acção humana levou à degradação de 97 por cento da biodiversidade global do planeta. O Planeta A. Sim, Planeta A porque de facto não há planeta B ou C. Não nos foi dado o direito de exterminar nem de extingir espécies. Não temos esse direito. No entanto dele fazemos indiscriminado uso há décadas. A "domesticação do selvagem" está a virar-se contra nós. As novas pandemias estão aí. As chamadas zooenozes (as doenças que passam dos animais para o ser humano) aparecem com maior facilidade, à medida que avançamos com cada vez mais ferocidade pelos habitats selvagens dentro. Assim foi com o Ébola, os diferentes Sars, como o da Covid-19, a Gripe Aviária, o VIH, entre outras enfermidades. Não sabemos o que vai sair da COP15. O que sabemos é que temos o espaço de uma geração, talvez menos, para salvar a Terra. Com acção. Com atitudes. Há desde logo uma evidência. Um imperativo. É preciso ciar cada vez mais santuários selvagens para as espécies selvagens. Tanto em terra como no mar, lagos, mares ou zonas húmidas, por exemplo. É obrigatório mudar a forma como nos alimentamos já que 40 por cento dos alimentos produzidos em todo o mundo vai para o lixo. Temos igualmente que pensar que não fazemos visitas à natureza quando nos apetece. Não é assim. Nós somos parte integrante da natureza. Às vezes esquecemo-nos disso. Agora já não nos podemos dar a esse desleixo. Nem agora nem nunca mais.
Jornalista e Documentarista de natureza de vida selvagem na RTP