Não há como disfarçar a preocupação quando o número de mortos atinge tamanha dimensão e os hospitais se aproximam do limite.
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A pandemia descontrolou-se pela conjugação perfeita de três eventos dramáticos - a despreocupação do Natal, os excessos do Ano Novo e a chegada de estirpes mais contagiosas do vírus. A situação fugiu ao controlo das autoridades e obrigou a um novo confinamento generalizado.
No Mundo hiperpolarizado em que vivemos, as narrativas tendem a extremar-se. A mais regular das banalidades transforma-se permanentemente num extraordinário facto noticioso. Tudo é visto como uma oportunidade de afirmação política. A irresponsável recusa da máscara transformou-se numa absurda declaração de liberdade. O necessário recurso aos serviços de saúde privados transformou-se numa batalha ideológica. A justa universalidade do direito às férias escolares transformou-se numa espúria querela constitucional. Os expectáveis efeitos secundários da vacina transformaram-se numa declaração alarmista da Ordem dos Enfermeiros.
Vivemos mergulhados num excesso de desinformação que nos anuncia permanentemente a catástrofe e os erros alheios. É uma pandemia de insatisfação que consome e desgasta sem resolver qualquer problema. A resiliência que procuramos está precisamente na forma como conseguirmos descentramo-nos de nós próprios para dar atenção ao sofrimento dos outros.
Se temos mãos e temos consciência, que este confinamento sirva para abraçar mais e apontar menos.
Psiquiatra e professor da Universidade do Minho