Corpo do artigo
Construir uma ponte sobre o Douro, entre a Arrábida e a Luís I, é um ato de cuidado. E foi mesmo todo o cuidado que tivemos, por saber que intervínhamos num local tão particular, ocupado, em alguns casos com construções belíssimas, como bela é a Ponte da Arrábida. Foi muito discutida, a solução, com a Metro, as câmaras municipais e por mim próprio. Meses de preparação.
Primeira decisão: Para que serve a ponte? Para o metro, pessoas e bicicletas e certamente exclui os automóveis. Esta é uma decisão essencial para promover a descarbonização, reforçar a mobilidade entre Porto e Gaia, definindo um programa completamente diferente de outras pontes pensadas para o mesmo local e que entupiriam, com automóveis, o Campo Alegre.
Segunda decisão: Qual o traçado em planta? Havia dois caminhos possíveis. Um, entre a Faculdade de Letras e Arquitetura; o outro, a nascente da Faculdade de Letras.
Esta segunda hipótese seria sobre a Rua de D. Pedro V, teria um desenvolvimento maior, pois aí o vale é mais suave, e estragaria os Caminhos do Romântico. Logo, a melhor opção era a primeira, muito menos impactante, que também permitiria situar a estação que serve o polo universitário no sítio certo, ou seja, enterrada e entre as universidades.
Terceira decisão: A que cota? A da Ponte da Arrábida, obra maior do mestre Edgar Cardoso (sim há projetistas de grandes obras que são engenheiros civis) ou inferior a esta?
Se fosse à cota superior teria a vantagem da inserção perfeita do lado de Gaia, passaria a uma distância maior (em altura) das casas na encosta, respeitaria melhor a relação com a Ponte da Arrábida. Mas teria como desvantagens ter impacto maior junto da casa da Agustina e passar por cima da via que liga Letras a Arquitetura. Se a cota fosse inferior, do lado de Gaia a solução seria muito má, "chocaria" com a Ponte da Arrábida, ensombraria mais as casas na encosta, mas teria as vantagens de não interferir com as faculdades e com a casa da Agustina.
Decisão: propor a cota da Ponte da Arrábida. (Pedi para me mostrarem algumas das soluções que no Porto "entram" à cota inferior. Todas elas são a de uma ponte a subir para Gaia e com um tabuleiro que não é plano; o impacto na silhueta da Arrábida é muito negativo). Houve ainda uma outra decisão. Não colocar pilares no rio. Esta é a tradição das belíssimas pontes do Porto.
Foi aberto um concurso de ideias internacional. Concorreram excecionais projetos. Foram apresentadas 28 propostas. Agradeço muito a todos os concorrentes. Foi nomeado um júri isento e com excelentes profissionais de engenharia e arquitetura, quatro deles designados pelas ordens profissionais. Foram excluídas as propostas que não cumpriram o Caderno de Encargos, isto é, as que colocaram pilares no rio, se desviaram do traçado em planta, não eram à cota preestabelecida.
Ainda assim o júri teve muito por onde escolher. E escolheu, fazendo um trabalho de grande mérito. Soube eu, em conjunto com os senhores presidentes de Câmara, os resultados em sessão pública, num concurso absolutamente anónimo.
Há agora um projeto para fazer. Nele se discutirá com detalhe a inserção urbana e melhorar-se-á o projeto, as amarrações nas encostas e os seus impactos. Deve o projetista escolhido trabalhar intensamente com as autarquias, a Metro do Porto, a Universidade e demais interessados na sua melhoria, mormente na amarração do lado do Porto, que sempre soubemos mais sensível. Confesso que até eu tenho sugestões para dar.
Claro e transparente - e com tempo se desenvolveu este processo. Não houve qualquer pressa (o maior dos vagares numa empreitada é sempre começar a mesma com um concurso de ideias, e não poderíamos ter feito de outra forma em face da nobreza do local).
Nota: este artigo foi escrito horas antes de saber que o tribunal decidiu suspender o concurso. A suspensão não foi resultado do processo de discussão em curso, mas de reclamações de concorrentes preteridos (percebo-os, este é um projeto de uma vida profissional). Irá agora a Metro contestar a decisão e tribunal decidirá.
Ministro do Ambiente e da Ação Climática