O Zé entrou na minha vida já tarde. Aos solavancos. A fazer perguntas, ensinando sem ensinar que as perguntas é que fazem de nós aquilo que nós somos. Ensinando sem ensinar que ninguém gosta de quem faz perguntas. Ou que há uma parte que gosta de nós quando fazemos perguntas até as perguntas serem dirigidas a essa parte.
O Zé entrou tarde na minha vida. Mas ainda a tempo de me irritar com as suas manias, de me sobressaltar com as suas ideias, de me desassossegar com a sua inteligência. De me ensinar, sem querer, a apanhar-lhe os tiques, a tirá-lo do sério, a desferir-lhe golpes de uma maldade sã nas ideias fixas. E fomos fazendo aquele caminho duro das amizades tardias, as que dizem que não existem depois dos 30 (meus), dos 50 (dele). Dois marretas, como muitos apontavam em surdina na Redação, a gostarem do que conseguíamos gostar um no outro, a tentar fazer gostar do que não gostávamos um no outro. Foi uma amizade tardia que me rasga hoje de dor, quando ele parte.
Foi o Zé que me deu a sua amizade tardia. E que me deu outras amizades tardias. Sem entrar no jogo dos interesses, sem querer tirar vantagens, nunca tirando qualquer tipo de vantagens, acreditando apenas que as pessoas que partilham ideias comuns podem partilhar projetos e outras ideias. Comuns ou não. Ele era um homem de gostar, que nunca mostrava o quanto gostava. E poucos tiveram a sorte de conhecer esse gostar.
O Zé entrou tarde na vida do centenário Jornal de Notícias, esta casa resistente aos tempos, cheia de vícios bons e maus, mas sobretudo impregnada de um sentido de missão geracional que só os leitores percebem, os leitores que todos os dias compram o JN, também eles irritando-se, apaixonando-se, aprendendo, mas sempre sabendo que estão a contribuir para a construção de uma sociedade, um território e um país melhor. Foi aqui que o Zé verdadeiramente fez os seus últimos anos de tarimba na secretária, mesmo que ainda tenha exercido as funções de provedor de leitor do Público. Tarde, mas ainda a tempo de usar a sua impertinência constante para nos fazer, a todos, levantar da cadeira para questionar.
Seremos sempre menores do que ele. Nas virtudes e nos defeitos. Mas, apesar de tudo, o legado dele, do homem que fugia dos holofotes, um legado que começa no filho e abraça os netos e a mulher. Seremos sempre menores. Uma cópia. Mas ainda assim uma cópia com as mesmas imperfeições e as mesmas perfeições.
Escrevo assim Zé, no correr desta dor, sem pesar as palavras, tu que pesavas tanto as letras todas, pedindo por esta vez que não atentes às palavras fora do sítio.
Vigia-nos daí, de onde estás Zé.
*Diretor
