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As portas vão-se fechando. A frase nunca me sai da cabeça, volta sempre que alguém parte na aldeia onde nunca vivi mas que sempre foi minha. Nos lugares pequenos, aqueles em que os moradores se contam pelos dedos e em que cada um ocupa um espaço incomensurável, as geografias afetivas mudam cada vez que uma casa fica vazia. Voltei a lembrar-me da frase quando este fim de semana li os relatos da intervenção do investigador Xavier Viegas, alertando que as pessoas têm de se organizar e preparar cada vez mais para enfrentar situações de catástrofe sozinhas, porque os bombeiros não chegarão a tempo.
Percebo o realismo de quem tem passado a vida a estudar as circunstâncias em que morrem vítimas de incêndios florestais. Este ano, assistimos à incapacidade do socorro e vimos como tantas populações tiveram de arriscar e decidir por elas o que fazer. Temos um meio rural caracterizado pela dispersão de habitações, os problemas fundos que conhecemos na floresta, bombeiros que não chegam para tudo.
Olhando para a maioria das aldeias no interior, o que se vê, contudo, é uma população profundamente envelhecida. Como pode pedir-se a pessoas com 70 e 80 anos que se preparem para o dia em que o fogo eventualmente as cercar? Se olharem com seriedade e sentido de responsabilidade para os sucessivos estudos, as autarquias devem preparar com as populações planos de ação. Identificar líderes em cada localidade, promover formações, encarar os serviços municipais como instrumentos ativos e focados na prevenção.
Mas há, por detrás de qualquer lirismo com que possa encarar-se este problema, um drama maior difícil de atacar. Só rejuvenescendo as povoações haverá capacidade de autodefesa e mobilização das pessoas. Ontem, o JN contava a história de Quintandona, uma aldeia de xisto em Penafiel que duplicou o número de habitantes numa década. A receita? Uma aposta forte na reabilitação, apoiada por fundos comunitários, e uma programação cultural arrojada, com eventos que atraem visitantes.
A revitalização do interior não se faz com planos macro, se não forem acompanhados de um forte envolvimento local. É preciso sinalizar, concelho a concelho, aldeias com potencialidades de revitalização. Motivar agentes locais, capacitar os melhores, incentivar a criatividade. Com uma canalização inteligente de verbas e com capacidade de correr riscos, coisa de que os decisores políticos costumam fugir a sete pés.
Sem risco e criatividade, as portas continuarão a fechar-se.
* SUBDIRETORA