A questão mexe com a consciência e as convicções de cada um e faz todo o sentido que os partidos deem liberdade de voto na apreciação das propostas de legalização da eutanásia. Quando amanhã os deputados se prepararem para votar, um a um, a possibilidade de introduzir uma mudança decisiva para doentes em fim de vida ou com lesões incuráveis, o debate público estará, contudo, longe de ter sido esclarecedor e alargado.
Dada a complexidade do tema, os argumentos contra e a favor tendem a assentar em simplificações e leituras extremadas. Sobram os slogans, mas é escasso o esclarecimento público sobre as diversas propostas apresentadas por BE, PAN e PS, com nuances significativas nos passos exigidos ao longo do processo ou em aspetos tão relevantes como a possibilidade de recurso, no caso de ser dado pelos médicos ouvidos parecer negativo ao doente.
É impossível antecipar o futuro de uma escolha em que todos os votos contam. E que, mesmo passando no Parlamento, contará ainda com previsíveis obstáculos no Palácio de Belém. Mas se a lei for aprovada, o mais difícil vem depois. Será preciso acompanhar com rigor esta mudança ética, para que não acentue as discriminações em relação aos mais vulneráveis. Evitar derivas e construir um quadro que seja simultaneamente equilibrado, ágil e humanizado na forma de responder à decisão dos doentes.
Saltam igualmente à vista dúvidas sobre o impacto que uma eventual mudança na lei poderá ter no investimento em cuidados paliativos e na melhoria de instrumentos como o testamento vital. Claro que a eutanásia é uma opção que não se resolve por esta via, mas quando se debate a dignificação e a boa morte, é incontornável questionar as falhas do sistema de saúde na criação de uma cultura construtiva do fim de vida.
Nenhuma lei, por mais liberal que seja, permitirá ultrapassar os dilemas causados pela experiência íntima e última do fim de uma vida. Num tempo em que julgamos cada vez mais poder controlar tudo, há o risco de se olhar a morte como uma decisão solitária e individual. A eutanásia abre um caminho novo e que deve ser respeitado para quem definitivamente sente que a vida só o é enquanto tem sabor. Mas abre igualmente um desafio social. Obriga-nos a repensar as nossas responsabilidades em relação àqueles que vão morrer. E este é um desafio coletivo permanente que nenhuma lei poderá esgotar.
SUBDIRETORA
