Uma demissão, meia dúzia de polémicas, desautorizações e desentendimentos na praça pública. Em traços largos, é a síntese possível de seis meses de um Governo sem estado de graça, já que recordar detalhadamente casos e problemas levaria meia crónica.
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Seria fácil alegar, como tantas vezes faz o Partido Socialista, que todos estes incidentes só interessam à bolha mediática. O argumento cai por terra assim que se olham sondagens: os portugueses não apenas deixaram de confiar no Governo, como dão nota negativa às principais medidas dos últimos meses.
A somar aos problemas de coordenação e dores de cabeça para António Costa, que tarda em dar mostras de capacidade para disciplinar a equipa e sobretudo para mostrar ao país que visão de futuro tem, além de remediar os efeitos da crise e da inflação, há uma dimensão preocupante de arrogância na forma como membros do Governo e deputados reagem às críticas públicas ou intervenções da Oposição.
Não se compreende que a ministra da Agricultura continue no Executivo depois de insinuar publicamente que a CAP deveria ser penalizada pelas posições partidárias que tomou na campanha, como se fosse legítimo castigar quem não está com o PS. Compreende-se ainda menos que uma deputada sugira sequer apagar declarações de uma ata, em sede de comissão parlamentar - e de nada valem pedidos de desculpa e tentativas posteriores de emendar a mão.
Piores ainda do que as polémicas que as originam (até porque infelizmente há muito se perdeu o rigor e a ética que noutros tempos levavam ministros a demitir-se por muito menos), reações como as da deputada Isabel Guerreiro assustam pela sensação de que o PS está a fazer exatamente o que temíamos que fizesse com uma maioria absoluta. Não são atos falhados, nem declarações que só responsabilizam quem as profere. São sintomas de uma cultura que silencia quem discorda e se sente impune no exercício do poder. As tarefas do primeiro-ministro vão muito além de arrumar a casa. E a cada um dos portugueses cabe manter uma vigilância permanente sobre os eleitos, impedindo que se esqueçam que o poder não lhes pertence. Foi-lhes entregue provisoriamente.
*Diretora